Tratamos os animais como máquinas

Foto: Aitor Garmendia

Podemos dizer que os animais não humanos não compreendem os conceitos que associamos ao anseio por sua libertação do jugo humano, que são amparados em construções que eles não podem reconhecer, porque requer capacidade de subjetivação.

No entanto, usar isso como argumento para justificar a privação de direitos dos animais então poderia ser estendido a todos aqueles em situação análoga, incluindo bebês. Não é necessário que os animais não humanos compreendam como compreendemos e o que compreendemos.

Usar características ou habilidades humanas como referências comparativas para julgar valores não humanos normalmente tem apenas um fim – indução capciosa de inferiorização instrumentalista.

Também é reforçar discursos antropocêntricos de outros tempos, como o de Descartes, que no século 17 alegou que “o animal vive da mesma forma que a máquina vive, não sendo nada além do mecanismo que o constitui”.

O problema nessa percepção de Descartes, que teve influência sobre a concepção eurocêntrica do uso e consumo de animais, e ganhou ressonância no mundo, não é mais a conclusão de que o “animal vive como a máquina vive”.

Porque se pensamos na realidade dos animais criados para consumo e outros fins de dominação, sem dúvida, não é permitido que os animais “vivam como se não fossem máquinas”.

Embora a intenção discursiva de Descartes não tenha sido essa, a colocação evoca uma ressignificação que contrapõe sua construção original.

Isso me leva a não ignorar o efeito da crença na “consideração de semelhanças”, porque para repensar valores tem como equívoco critério a anulação arbitrária da “consideração de diferenças”, como se ser diferente ou impossível de nos compatibilizarmos fossem falhas biológicas.

Ou seja, a similaridade é balizada a partir de “nós olhando para nós” numa minoração ou exclusão dos “outros” – porque o modelo parte daquilo que consideramos adequado para avaliar-julgar “quem não somos”, mas que por interesse nosso não deve afastar-se de “maneira inaceitável” do que “somos”. Em síntese, uma consideração pela desconsideração.

Jornalista e especialista em jornalismo cultural, histórico e literário (MTB: 10612/PR)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *