No século I, quando Ovídio diz para “deixar o boi morrer de velhice”, referenciando os ensinamentos de Pitágoras, ele não fala somente de um boi nem especificamente de um animal.
O pedido é universalista, é sobre um e todos, porque o boi não é somente o boi, do qual subtrai-se a carne; e o bovino não é o único animal submetido aos domínios do paladar.
O seu caráter simbólico em “Metamorfoses” é evocativo da violência do apetite, da supressão da existência, da impossibilidade do viver, do não pacífico intrínseco ao controle da condição animal para fins alimentícios, que já estendia-se e, hoje mais ainda, estende-se a tantos outros, sejam criados para morrer, ou mortos quando julgados que “não têm nada melhor a oferecer”.
A ideia de um animal como oferta de si já é essencialmente equivocada em sua atribuição de “dar” – que é involuntária, destrutiva. Sobre isso, como ignorar que as espoliações de suas condições cárneas dependem do domínio exercido sobre a corporalidade?
Sem tal domínio, o corpo não pode ser violado. Algo emblemático dessa realidade e que repete-se a cada segundo, ou seja, o tempo todo, é o pé preso e o corpo pendurado de ponta-cabeça para ser sangrado – uma realidade ordinária e pouco questionada.
O que era definido num passado remoto, no princípio da Era Comum, como uma percepção romântica e utópica da realidade, da aversão ao derramamento de sangue não humano pelo exercício arbitrário do querer/poder”, que vem de autoatribuição supremacista, já era uma manifestação pela não exploração da vulnerabilidade animal e pela não violência, nas suas francas possibilidades.
Quem o falava, não apenas o falava, e isso emergia de um reconhecimento que visava minar um irreconhecimento. Pensando no hoje, que a humanidade exige muito mais, de mais animais e em menos tempo do que em qualquer período, mais distantes estão os não humanos da velhice do que já estiveram em outros séculos e décadas.
Afinal, a distância crescente em relação à velhice é intensificada pela demanda alimentar de nosso tempo. Mas também não é sobre pensar em animais envelhecendo, e sim não nascendo para tal fim.