Um dia de caça

Entre as ramagens, um filhote de onça-pintada ameaçava se aproximar (Foto: Getty)

Um homem encontrou um caçador acompanhado do filho na mata. Arrastavam com dificuldade o cadáver de uma onça-pintada. Querem ajuda? Sim, por gentileza. Depois de percorrerem mais de um quilômetro, pararam ao lado da caminhonete. O caçador pediu que o homem fotografasse ele e o filho com a onça inanimada.

Não posso fazer isso. Por quê? Pelo mesmo motivo que esse animal jamais exibiria o seu filho aos dele como se fosse um troféu. Você é louco? Isso é uma onça, não uma pessoa.
O senhor tem razão. É justamente por não ser uma pessoa que ela não faria isso. Não goza dessa estranha capacidade.

A propósito, por que mataram esse animal e o que farão com ele? Matamos porque é matreira. Já nos avisaram que ela tem invadido chácaras, sítios e fazendas da região. Quem disse ao senhor? Um sujeito que mora naquele sítio a leste. Isso é intrigante.

Por quê? Porque é lá que eu moro. O que pretende fazer com a onça? Curtir o couro, fazer um tapete, um churrasco. Dizem que carne de onça tem gosto de lombo de porco. Vamos experimentar. O senhor tem comida em casa?

Sim…Fartura? Sim…Então por que comer a carne desse animal? O senhor já viu outro ser vivo arrancar o couro de alguém para servir apenas para limpar-lhe os pés? Então farei um casaco. Imagino que o senhor tenha blusas e jaquetas em casa…

Farei um cobertor. O senhor tem passado frio? Não…Imagino. Amigo, farei o que eu quiser. Não me interessa sua opinião. Só aceitei ajuda para carregá-la. Tudo bem. Mas o que o senhor ensina ao seu filho fazendo isso?

Ensino que é importante estar preparado pra tudo. Humm…E o senhor pensa em viver em uma área de mata fechada? Não…Então em qual circunstância seu filho teria que matar um animal desses? Não interessa. O que você aprendeu com seu pai hoje?

O menino ficou em silêncio. Chega dessa conversa. Vá cuidar de sua vida. Tudo bem, senhor. Entre as ramagens, um filhote de onça-pintada ameaçava se aproximar. O senhor tem uma dívida. Se um dia aquele filhote lhe cobrar, o senhor não poderá reclamar. O caçador riu, mas deixou a onça e partiu.

Jornalista e especialista em jornalismo cultural, histórico e literário (MTB: 10612/PR)

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