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Em “Furiosa: Uma Saga Mad Max”, mulheres vivem violência semelhante à sofrida por vacas leiteiras    

Sob o domínio de Immortan Joe, elas são instrumentalizadas para que gerem vidas e leite

No filme “Furiosa: Uma Saga Mad Max”, de George Miller, a realidade das mulheres sob o domínio de Immortan Joe é semelhante à das vacas leiteiras. Elas são instrumentalizadas para que gerem vidas e leite.

Em uma cena, após dar à luz gêmeos siameses que serão descartados porque não são considerados úteis, a mãe também teme ser morta. Então ela diz que dará a Immortan Joe “uma vida completa”, em referência a uma vida que possa ser “adequadamente instrumentalizada”.

Como as crianças do sexo masculino nascem nesse contexto para serem soldados e morrerem pelo seu líder Immortan Joe, todas as que não são consideradas “boas para esse propósito” são mortas após o nascimento.

Já as do sexo feminino terão o mesmo destino de suas mães – gerar vida e leite. Mas as mulheres, pela própria instrumentalização contextual, têm apenas três chances de gerarem filhos que possam ser úteis como soldados.

Logo, assim como ocorre com vacas leiteiras, essas mulheres também são descartadas quando consideradas “improdutivas ou pouco produtivas”. Assim suas vidas valem à medida do princípio de utilidade estabelecido por Immortan Joe, não podendo ser um fim em si mesmas.

O que também reforça que a essas mulheres é imposta realidade semelhante à de vacas leiteiras é que em um momento o “mecânico orgânico” diz que a mãe dos gêmeos siameses não será morta ainda porque é útil como “leiteira”, já que está em fase de lactação. Isso mostra que se não fosse útil para essa finalidade também seria imediatamente morta.

Nesse contexto, os filhos também não desenvolvem um vínculo com a mãe, porque também há um processo de separação para que sejam criados como soldados, como indivíduos que só existem para corresponder aos interesses de Immortan Joe e à manutenção de seu domínio no deserto.

Ademais, tudo indica que essas mulheres não têm poder de decisão sobre a própria sexualidade, e que tudo que ocorre nesse contexto envolvendo geração de vida e leite também decorre de violações sexuais. Comparando à realidade, isso ocorre no contexto da produção leiteira, onde a vida sexual dos animais é marcada pela instrumentalização. Logo é válido considerar também o que sobre isso é artificialização por controle e dominação.

No filme “Mad Max: Estrada da Fúria” as cenas de mulheres sendo ordenhadas, ou seja, de forma semelhante às vacas leiteiras, já permitiam uma reflexão sobre a possibilidade de relacionarmos exploração humana e não humana, já que a primeira mimetiza a segunda.

O que vemos na distopia dos dois últimos filmes da franquia Mad Max é o que jamais seria admitido sobre humanos, porém não é o que é normalizado e recorrente sobre a exploração de tantos animais para fins de consumo?

Se considerada somente o que é a experiência instrumentalizada de maternidade para tantos animais, como os usados para a obtenção/apropriação do leite, impossível é não ver nisso uma prática em que exploração e violência são ignoradas porque entram em conflito com interesses e hábitos que muitos não querem mudar. Mas e o custo para as vítimas?

Lembremos que na produção leiteira mesmo animais saudáveis são descartados se considerados inúteis a esse sistema de exploração.

Observação

O termo “mecânico orgânico” no contexto da exploração da maternidade no filme “Furiosa”, numa transição do que não era vida (máquina) para o que é (humano), já que o mecânico orgânico é um indivíduo que antes lidava somente com máquinas, também ajuda a endossar a imposição de um estado em que vidas têm finalidades de máquinas. Esse tipo revelador de apropriação, assim como o uso de termos eufemistas, também é muito comum no contexto da exploração animal para fins de consumo.

Curiosidade

O filme “Babe“, que motivou muita gente a abdicar do consumo de carne, tem roteiro assinado por George Miller, criador da franquia Mad Max.

Leia também “Como o criador de ‘Mad Max’ fez muita gente refletir sobre o consumo de animais”, “Por que ignorar a violação sexual na exploração animal?” e “E se vacas leiteiras fossem substituídas por mulheres?

Jornalista (MTB: 10612/PR) e mestre em Estudos Culturais (UFMS).

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