Por que ignorar a violação sexual na exploração animal?

Na série “Bom dia, Verônica”, o que é feito com as mulheres, que são tratadas como éguas e vacas, é horrível, mas quantas pessoas reconhecem isso como um mal que atinge tantas fêmeas não humanas?

Na terceira temporada da série “Bom dia, Verônica”, mulheres que têm sua sexualidade explorada para fins de reprodução são tratadas como éguas. Também são capturadas como éguas quando tentam fugir, ou seja, por meio de laço.

Como parte do processo de dominação colocam-lhes antolhos para que não olhem para os lados, mas somente para a frente, como é feito com animais usados em montaria ou transporte de carga, para exercer maior controle sobre o animal e interferir em sua capacidade de autonomia.

Essas mulheres também são agredidas com relhos ou cordas e sedadas como equinos. Quando têm filhos e já não são consideradas úteis vivas, ou seja, como matrizes, que é também referência emprestada da exploração animal para diversos fins, incluindo consumo, são abatidas com os mesmos instrumentos usados diariamente contra tantos animais.

Logo o lugar dessas mulheres é o da instrumentalização, assim como é o de tantos animais submetidos aos interesses humanos. Embora a associação mais comum a partir desse contexto seja com os equinos, já que tudo ocorre em um haras, podemos ir além.

Jerônimo Soares (Rodrigo Santoro), que é quem mantém essas mulheres em estado cativo nas baias de seu estábulo, utiliza para contê-las o que é usado no domínio de animais não humanos, e também o que é usado na hora de descartar esses animais. Para ele, “elas são suas éguas”.

Em uma das cenas, Verônica (Tainá Müller) diz: “Eles inseminam essas meninas igual fazem com as éguas.” Mais tarde, ela diz para Jerônimo: “Você inseminou essas meninas à força e acha que não é estupro.”

Embora sua consideração seja estritamente voltada às mulheres, não seria coerente reconhecermos que a inseminação de outros animais também é violação sexual? Explora-se a sexualidade desses animais para fins humanos, e nem é preciso limitar essa consideração às éguas usadas como matrizes para fins econômicos.

Também podemos pensar em vacas utilizadas na produção leiteira, já que a lactação (para fins de apropriação do leite) depende da reprodução baseada no controle da sexualidade, e em todas as fêmeas não humanas que têm sua reprodução condicionada a um arbitrário interesse humano.

A série está disponível na Netflix.

Leia também “Como a violação sexual de animais pode ser normalizada?” e “Como o consumo naturaliza a exploração da sexualidade não humana”.

Jornalista e especialista em jornalismo cultural, histórico e literário (MTB: 10612/PR)

Uma resposta

  1. “Também podemos pensar em vacas utilizadas na produção leiteira, já que a lactação (para fins de apropriação do leite) depende da reprodução baseada no controle da sexualidade, e em todas as fêmeas não humanas que têm sua reprodução condicionada a um arbitrário interesse humano.”

    Lembrei-me do curta-metragem “The Next Girl”, disponível no YouTube:
    https://youtu.be/BDss3ushtUg?si=Gp-NG-GlVvfIInOJ

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