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Sobre a tristeza de matar um rato

O rato ficou caído. Afastou-se e esperou o rato se levantar e ir embora

Ilustração: Albert Lloyd Tarter

Sabia que tinha um rato em casa. Entrava todas as noites na cozinha. Subia na pia, nos armários. Preferia arrastar uma vassoura para convencê-lo a sair, sem tocá-lo, só para tirá-lo dali. Não demorava, o rato corria e sumia.

Um dia viu o rato correr para baixo do fogão e olhou embaixo. Não havia um rato. Parecia magia. Era um atraso do olhar que influenciava a percepção. Lembrou-se do que as pessoas sempre dizem sobre os ratos, nada bom, sempre algo negativo. O que fazer?

Uma semana depois continuava sem intenção de matá-lo. Apenas movia coisas na cozinha, para que o rato corresse e desaparecesse. Às vezes, o rato aceitava, às vezes, desconfiava. Abrir uma passagem poderia levá-lo a buscar outra passagem.

Começou a admirar a astúcia do rato. Um dia o rato entrou no banheiro. Observou o rato saltando, tentando sair do box. Abriu e deixou que partisse para algum lugar que ainda era dentro de casa.

Outro dia o rato fez uma bagunça na cozinha. Ficou irritado e decidiu enxotá-lo com a vassoura. O rato ficou caído. Afastou-se e esperou o rato se levantar e ir embora.

Os olhos do rato estavam em sua direção, e o volume na barriga, que antes crescia e diminuía, esvaiu-se em movimento, como se deixasse um vazio ou um buraco.

“Matei o rato”, disse, não de forma entusiasmada como tanta gente faz. Não sentia que havia algo a ser celebrado. Lembrou-se das vezes em que viu o rato correndo.

“Ele apenas tem fome como qualquer um. Pediu pra existir? Nunca sequer me atacou.” Lembrou-se de que culparam os ratos pela peste bubônica sem que os ratos fossem culpados.

À tarde, ouviu um gemido doloroso e, mesmo sabendo que não era possível, imaginou que fosse do rato. Olhou lá fora e viu um homem em um telhado do outro lado da rua. Ele usava uma máquina que emitia um som como um gemido, como de um animal que sofre, um animal que morre.

Leia também “Em ‘O Caçador de Ratos’, humano também é rato”.

Jornalista (MTB: 10612/PR) e mestre em Estudos Culturais (UFMS).

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