A caminho do matadouro, uma carícia antes de ser morto

Com o trânsito parado, um bovino em um caminhão foi tocado por uma mão. Ele a lambeu poucas horas antes de ser abatido. Para quem a sentiu, talvez persista a lembrança. Para o bovino, nada. O toque, o olhar, a língua de fora, tudo acabou. Como seria diferente se ele já não existe?

Então vejo a imagem desse animal que agora é uma impossibilidade. Olho para sua cabeça em destaque e observo a garganta que é onde a faca corta. Como podem machucá-la fatalmente com uma lâmina? Como podem deixar que tanto sangue seja derramado desse corpo?

Os olhos que na imagem trazem reflexo de pessoas que não querem feri-lo ganham reflexo antagônico na hora de morrer. A carícia é substituída pela violência contra um corpo vulnerável e invertido. A língua que toca a mão é a língua que depois de morto mira o chão.

Sua imagem é ao mesmo tempo uma presença e uma ausência, uma vida e uma morte, um corpo inteiro e uma carcaça. O que fizeram com sua cabeça? Essa cabeça que ainda observo. Aí está você que já não está. Quem o reconhecerá? E você desaparecerá. Já desapareceu.

Jornalista e especialista em jornalismo cultural, histórico e literário (MTB: 10612/PR)

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