A criança não gostou quando comeu carne pela primeira vez. Fez careta, virou o rosto. Às vezes, o pedaço, que já era miúdo, caía da boca. Não queria comê-la. Acontecia de fechar os olhos e afastar a cabeça para trás.
Para facilitar, faziam um caldo com a carne e logo a criança tomava, mesmo a contragosto. Claro, um pouquinho caía aqui e ali… “Não é nada. Está indo bem.” “Está sim. Claro que sim.”
Caretas continuaram e começaram a dar carne sem dizer que era carne. Com o tempo a resistência foi desaparecendo. O que era indesejado virou hábito. A criança já não lembrava que não gostava de carne, e a repetição condicionou e moldou seu paladar.
Desenvolveu gosto pela forçada supressão do desgosto. Papai, mamãe, vovô e vovó defendiam que não há vida sem carne, e realmente não há, mas dos animais, não da criança. Como poderia saber? “Carne para isso, para aquilo, para tudo.”
Tanta coisa dita que fazia a carne parecer o núcleo e essência da alimentação e do desenvolvimento da vida humana. Como achavam bonito vê-la mordendo um bife e celebravam como se o carnivorismo fosse parte da humanidade.
Quando já tinha boa quantidade de dentes, suas primeiras fotos foram com eles fincados num pedaço de bife e noutras partes de animais. “Que lindo! Muito lindo!”
A exaltação do consumo de carne era reforço para manter-se fiel a uma alimentação rica em pedaços de animais que via vivos e felizes nos livrinhos.
Um dia, na escola, conheceu alguém que nunca comeu carne. “Nunca gostei e quando fiz quatro anos minha mãe me disse que a carne vem dos bichinhos.”
Ficou surpreso e sentiu tristeza ao lembrar-se que também já não gostou de carne. “Será que comi quantos bichinhos?”
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