A dor do peixe e o sorriso do pescador

Pintura: Dana Ellyn

Recém-pescado debatia-se dentro do barco. Ficou chateado porque a câmera não funcionou. Queria que não morresse logo pra tirar foto bonita com o bicho expressando sinal de pouca vida.

“Agora a gente tira na chegada. O que será que vão dizer? Já quero saber. Olhe, você pode morrer depois, pode sim.” Sorriu e pensou nos elogios, nos parabéns. Quantos? Peixe na asfixia não conseguia levantar o corpo a mais de dois centímetros.

Barulho despertou prazer. Sentiu-se importante em saber que alguém tremia naquele chão por sua causa. “Fazer o quê?” Energia partia, boca mexia e olhos esbugalhavam. Virou um pouco pra cá e pra lá. E? Nada.

Ficou assim, resistindo em uma resistência vencida. “Que bonito! Como o sol enriquece suas escamas. Como valeu a pena tirar da água. Tirei a sorte grande ou sou bom de verdade? Posso achar que sou bom, não é?”

Olhou para o peixe e o sorriso alargou. Interpretou sofrimento como parte da concepção simbólica de um maravilhoso troféu. “É a minha vitória!” Demorou para amarrar o barco e ficou feliz em vê-lo vivo, mas o peixe já não conseguia fazer o corpo desencostar do fundo do barco.

“Aí é uma questão de força que não depende de mim. É contigo, só contigo. Só mais um pouquinho, tudo bem?” Assobiou e um conhecido já sabia o que ele queria. Agarrou o peixe, o pressionou contra o corpo, num abraço violento, e arreganhou os dentes. Parecia pronto para engolir a cabeça.

“Outra!” “Mais uma!” Boca do peixe ainda mexia. Então parou. Mais um corpo sem vida. Foto foi premiada com título “Alegria”. “Como não gostar dos peixes?” E contou como foi feliz na captura e em como o animal tentou voltar para a água. Tão perto e tão longe de casa…

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Jornalista e especialista em jornalismo cultural, histórico e literário (MTB: 10612/PR)

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