Castramóvel da Prefeitura de Caeté (MG) apodrece enquanto cães e gatos procriam sem controle

Ontem (6) poderia ter sido uma data de comemoração para protetoras de animais, Ministério Público de Caeté (MG) e moradores, principalmente os que não têm condições de pagar atendimento veterinário para cães e gatos.

Mas, na realidade, a data é marcada por revolta e indignação principalmente da ONG Sociedade Galdina Protetora dos Animais e da Natureza de Caeté (SGPAN). Há dois anos, um castramóvel comprado por 120 mil reais está encostado, apodrecendo no pátio do anexo administrativo da Prefeitura de Caeté, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. O veículo foi adquirido sem os equipamentos internos e está assim até hoje.

No mesmo dia completou dois anos de um acordo assinado pela prefeitura com o Ministério Público, e não cumprido, pelo qual se comprometia a fazer, com a verba de 1,7 milhão de reais, atendimento veterinário e castração em massa de cães e gatos a partir de março de 2020.

Também em dezembro de 2019, o prefeito de Caeté, Lucas Coelho, se comprometeu com a licitação de uma clínica veterinária para atendimento aos animais de rua e de pessoas pobres. Até hoje, nada.

Tudo isso resultou no alto endividamento da SGPAN, único meio que protetoras em desespero têm para socorrer animais de rua doentes ou precisando de castração. A entidade também é o único alento para pessoas sem condições de pagar atendimento ou castração para seus animais numa clínica veterinária.

“Vivemos uma situação absurda e revoltante em Caeté, um crime contra os animais. Basta andar pelas ruas para ver dezenas de animais vagando, vários deles doentes e a maioria sem castrar, sendo que a prefeitura, há dois anos, recebeu uma verba de 1,7 milhão de reais e comprou um castramóvel para atender e castrar cães e gatos a partir de março de 2020, mas não cumpriu nenhum acordo, lei ou promessa, não pôs o castramóvel pra funcionar!”, disse Patrícia Dutra, vice-presidente da SGPAN.

“Sua carcaça está apodrecendo no pátio da prefeitura. Nesses dois anos mandamos 35 ofícios à prefeitura, todos sem resposta. Fizemos manifestação com cartazes na praça da matriz e cobranças nas redes sociais. Restou à SGPAN acudir os animais doentes e castrar os que damos conta. Estamos hoje com dívida de mais de 130 mil reais, e atendemos em média 70 animais por mês.”

Na cidade, as protetoras estão sobrecarregadas, e muitas estão com suas casas lotadas de animais. E a entidade continua recebendo muitos pedidos de socorro para animais em situação de rua, além de pedidos de pessoas carentes. De janeiro de 2020 até novembro de 2021 a SGPAN socorreu 1.556 animais e castrou 222, acumulando mais dívidas.

 Entenda o caso

No dia 23 de outubro de 2017, a Prefeitura de Caeté assinou com o Ministério Público um termo de ajustamento de conduta que previa que o Executivo fizesse um centro de controle veterinário para castração de cães e gatos e atendimento de animais em situação de rua e da população de baixa renda. Dois anos se passaram e a Prefeitura de Caeté nada fez.

Em novembro de 2019 foi destinada à prefeitura emenda do deputado federal Fred Costa (Patriota) no valor de 1,7 milhão de reais. No dia da chegada do castramóvel, 6 de dezembro, a Prefeitura de Caeté, Ministério Público, o deputado e a SGPAN assinaram novo TAC, substituindo o primeiro. A princípio a decisão era usar os 1,7 milhão na construção e funcionamento de um Centro de Controle Veterinário, mas a prefeitura desistiu e optou pela compra do castramóvel, obtido com emenda parlamentar de 120 mil reais do deputado estadual Laudívio Carvalho.

Pelo TAC assinado dia 6 de dezembro de 2019, a prefeitura se comprometeu a iniciar as castrações em março de 2020 e, para isso, teria que repassar recursos à SGPAN nos meses de janeiro, fevereiro e março para que a ONG comprasse insumos para as castrações, contratasse pessoal e adquirisse equipamentos para o castramóvel, porque o veículo foi comprado “pelado”, sem nada dentro. Janeiro passou e a prefeitura não fez os repasses previstos, mesmo com vários ofícios encaminhados e solicitando reuniões de trabalho e os repasses.

Em 28 de janeiro de 2020, a prefeitura finalmente respondeu que, para efetuar os repasses, precisaria de autorização da Câmara Municipal, que estava de recesso.

“Ficamos surpresas porque no dia da assinatura do acordo, 6 de dezembro de 2019, o prefeito assegurou à promotora que a Câmara aprovaria os repasses ainda em dezembro de 2019, em reuniões extraordinárias. Eu estava presente e testemunhei esta conversa entre o prefeito e a promotora”, afirmou Patrícia que na época era presidente da SGPAN.Até o dia 19 de fevereiro de 2020, a prefeitura não havia se reunido com a SGPAN nem feito os repasses.

“Já passava da metade do mês de fevereiro de 2020, e o prazo definido no TAC para colocar o castramóvel em ação era março de 2020 e a prefeitura não se movia. Isso gerou uma angústia e desespero enormes porque cumprimos rigorosamente o que assumimos fazer. Já estávamos desde o começo de janeiro com equipe selecionada para contratação, insumos e equipamentos orçados. Faltava apenas o repasse do dinheiro pela prefeitura”, lembrou Patrícia.

Diante do descumprimento do segundo acordo por parte da Prefeitura de Caeté, o Ministério Público decidiu levar o caso à Justiça e comunicou esta decisão à prefeitura numa reunião dia 19 de fevereiro de 2020 que teve presença do então secretário de Governo da prefeitura, Mauro Franco, e da coordenação da ONG.

No começo de março de 2020 a prefeitura chamou a SGPAN para uma reunião e fez uma proposta “de boca”, não apresentando documento formalizando o que queria.

“Não aceitamos porque, além de não apresentar nenhum documento, não tínhamos a mínima segurança das intenções da prefeitura, após dois acordos assinados com o Ministério Público e solenemente descumpridos por ela”, salientou a vice-presidente da ONG.

A prefeitura, na tentativa de ocultar a verdade, chegou a soltar nota pública dizendo que não houve acordo porque a ONG não apresentou documentos e não se inscreveu no Conselho de Saúde. “Foi a prefeitura quem descumpriu o acordo, tanto é que o Ministério Público a levou à Justiça. O tempo todo a ONG cumpriu com suas obrigações e expôs todos os documentos e trâmites nas redes sociais para toda a população ver que foi a Prefeitura de Caeté que descumpriu um acordo que beneficiaria muito os animais e a população de baixa renda”, declarou Patrícia.

 Castramóvel alugado

Meses depois, em agosto de 2020, período de pré-campanha eleitoral, a prefeitura gastou dinheiro alugando um castramóvel para fazer mutirão de 800 castrações e mais 800 na véspera da eleição, no final de outubro de 2020.

Em setembro de 2021 fez mais 500 castrações também com castramóvel alugado. “Vivemos a situação escandalosa de ter um castramóvel alugado, pago com dinheiro público, e outro exposto no Poliesportivo na área central da cidade, comprado com dinheiro público, sem nada dentro, servindo de enfeite. Foram 120 mil reais para servir de enfeite e não fazer uma castração sequer nesses dois anos”, lamentou Patrícia.

“Em 2022, ano de campanha eleitoral, a prefeitura certamente vai investir o dinheiro que chegou em 2019, vai fazer mais mutirão, vai concluir o processo de licitação da clínica e vai colocar o castramóvel para funcionar. Ou seja, as ações da Prefeitura de Caeté para os animais obedecem aos interesses eleitorais, não aos interesses dos animais e do rigoroso cumprimento das leis e acordos. Isso significa trair e maltratar os animais.”

Em 2021, a prefeitura divulgou nas redes sociais que as pessoas poderiam mandar fotos de animais para adoção e divulgou telefone de sua ouvidoria para denúncias de maus-tratos. Mas essas iniciativas não tiveram alcance entre a população, não foram campanhas massivas – mesmo os mutirões de castração não tiveram divulgação ampla.

“Ou seja, o pouco que a Prefeitura de Caeté faz parece ser apenas para falar que fez, não tem sustentação, credibilidade e nem alcance entre a população. Nunca ficamos sabendo de casos de maus-tratos apurados pela prefeitura e muito menos da criação de uma rede para essas investigações que precisam envolver polícia, ONGs, etc”, observou a vice-presidente da Sociedade Galdina Protetora dos Animais e da Natureza de Caeté.

Em meados de 2021 a prefeitura contratou o Fórum Nacional de Proteção e Defesa Animal (FNPDA) para capacitação das professoras da rede municipal, mas não há informação sobre a continuidade. Entre a população, não há qualquer ação de conscientização para a guarda responsável.

No período da pré-campanha de 2020 a Prefeitura de Caeté começou a distribuir ração. Ficou alguns meses sem distribuir depois da eleição e, devido a muita cobrança, voltou a distribuir, mas sempre em quantidade insuficiente para os animais que estão em lares temporários, animais em situação de rua e animais de pessoas pobres, de acordo com a SGPAN.

Jornalista e especialista em jornalismo cultural, histórico e literário (MTB: 10612/PR)

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