Crueldade da exportação de bois vivos se concentra no Pará

Há seis anos, cinco mil bovinos morreram quando o navio Haidar, de bandeira libanesa, tombou no porto da Vila do Conde, em Barcarena, no Pará (Foto: Guilherme Mendes/TV Liberal)

Embora vários estados brasileiros permitam a exportação de bois vivos, até porque o país também não tem uma lei federal que a coíbe, o Pará é o estado de maior destaque na atividade nos últimos dez anos – responsável por pelo menos 83% dessas exportações no período. Na sequência estão Rio Grande do Sul (8,8%) e São Paulo (5%).

Com base em informações da Associação Brasileira dos Exportadores de Gado (Abeg), são dados reveladores e que instigam reflexão. Afinal, o acidente mais emblemático, e que chamou a atenção para o fato de que a prática está na contramão do bem-estar animal e pode gerar grandes danos ambientais, ocorreu exatamente em Barcarena, no Pará, em outubro de 2015, ou seja, há seis anos.

À época, cinco mil bovinos morreram quando o navio Haidar, de bandeira libanesa, tombou no porto da Vila do Conde. O prejuízo ambiental custou ao governo federal, o que significa também ao bolso do contribuinte, cerca de R$ 45 milhões, e ninguém foi responsabilizado pela dolorosa e desesperadora morte desses animais.

Hoje, desconsiderando laudos técnicos que já culminaram na proibição da prática no Porto de Santos por meio de lei municipal, por exemplo, e na retomada de sua realização somente por força de lobby do segmento e de sua influência política, o presidente da Abeg, Lincoln Bueno, tem alegado que a oposição à exportação de animais vivos “tem interesses comerciais”.

Ele ignora que existe um movimento em defesa dos animais e do meio ambiente no Brasil e usa tal discurso como forma de dissimulação que atende somente aos interesses econômicos de seus associados. Até porque não é preciso fazer nenhuma pesquisa para concluir que em qualquer parte do mundo há um número crescente de pessoas que já não concordam com o visceral desrespeito à vida não humana.

Além disso, em tempos de pandemia e novas crises sanitárias envolvendo zoonoses e criação de animais para consumo, cresce o número de países repensando suas exportações não apenas de animais vivos, mas também de produtos de origem animal.

Como dizer que a atividade não é cruel?

Como achar aceitável hoje que um bovino seja submetido a uma viagem de navio de mais de 30 dias, lidando com fortes oscilações de temperatura – calor e frio – para ser cruelmente abatido em outro país? Neste caso, refiro-me à exportação brasileira de bovinos para o Vietnã, realizada há pouco tempo após a concretização de um acordo com o Governo Bolsonaro por meio da ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Tereza Cristina.

Como considerar compatível com o “bem-estar animal” um navio ter um “triturador” para animais que não resistem à viagem? Só a existência de tal “ferramenta” já revela o quanto a exportação de animais vivos é indigna e cruel. Não podemos ignorar também que a maior parte do gado tem como destino países muçulmanos, onde é realizado o abate halal, sem atordoamento antes da degola.

Em um país onde se fala tanto em “protocolos de bem-estar animal”, “abate humanitário” e oposição legal a “práticas que causem dor desnecessária aos animais”, e que teoricamente significa reprovar o abate de animais sem insensibilização, por reconhecer que há mais dor e mais crueldade, o quanto isso é contraditório?

Se o Brasil é permissivo e favorece a exportação de um grande número de animais que serão mortos sem atordoamento em outros países, onde há coerência na alegação de que o país passa por uma “evolução em relação ao que é aceito envolvendo práticas de abate”? Ademais, são animais que, sem dúvida, não desejariam morrer em benefício do nosso paladar.

E nem estou abordando agora a realização de abate religioso nos matadouros com fins de exportação de carne, que também não se enquadra no que chamam de forma propagandística de “abate humanitário”. O que se vê na realidade é uma involução quando há comemorações em relação ao aumento do número de animais exportados, que serão mortos cruelmente em outros países após longas e exaustivas viagens em que um percentual significativo de animais morre dentro do navio.

É fácil ignorar a realidade da exportação de “carga viva” quando a única preocupação é com retorno econômico, e que não beneficia a população em geral, mas apenas os grandes criadores de animais e grandes empresas que realizam esse tipo de exportação – como é o caso da Minerva, responsável pela exportação que terminou em tragédia no Pará, e que hoje é uma das maiores exportadoras de animais do país.

Governo apoia abate sem insensibilização

Esta mesma Minerva foi denunciada em junho de 2020, com base em um relatório do Greenpeace, pela compra de gado criado em áreas de desmatamento ilegal na Amazônia. E o que não ajuda a melhorar a situação é que o atual governo não vê problema na exportação de animais, muito pelo contrário, tanto que tem ampliado parcerias para exportações para mais países.

De 2019 pra cá foram firmados novos acordos com Egito, Turquia, Jordânia, Iraque, Líbano, Irã e Vietnã. A ministra Tereza Cristina já destacou em entrevistas que o Brasil tem principalmente nos países árabes “um bom destino para gado em pé”.

Hoje, um dos exemplos do quanto a política pode ser usada para beneficiar interesses comerciais como o da Associação Brasileira dos Exportadores de Gado (Abeg), que ignora o impacto negativo da atividade, é o papel do senador Zequinha Marinho, do PSC do Pará, que tem feito ferrenha oposição ao Projeto de Lei 3093/2021, que prevê a proibição das exportações de animais vivos.

E sua justificativa é de que “isso pode prejudicar o segmento econômico”, como se exportar bois vivos realmente fizesse uma grande diferença na vida econômica da população. Já na Câmara, um dos representantes dos interesses dos exportadores de animais vivos é o deputado Paulo Bengtson, do PTB do Pará. Para finalizar, convido a uma reflexão sobre a realidade dos bovinos exportados aos milhares ou dezenas de milhares partindo do Brasil:

“Se sucumbem a bordo, são moídos, se escapam de um acidente, morrem afogados ou são abatidos pouco depois de chegarem às margens. Se aportam em ‘segurança’ são preparados para o abate sem insensibilização – golpe em forma de meia lua que faz o sangue descer enquanto o animal se debate. O quanto isso é ‘humanitário?’”

Vale lembrar que o termo “abate humanitário” é definido pela Instrução Normativa Nº 032, publicada em 2000 pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), como “o conjunto de diretrizes técnicas e científicas que garantam o bem-estar dos animais desde a recepção até a operação de sangria”.

Saiba Mais

É importante não esquecer que o Pará, líder em exportações de gado vivo, também é líder em desmatamento no Brasil para criação de gado. Com um rebanho de 2,4 milhões de bovinos, duas cidades do estado respondem pelos índices nacionais mais altos de desmatamento – São Félix do Xingu e Altamira.

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Jornalista e especialista em jornalismo cultural, histórico e literário (MTB: 10612/PR)

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