Defesa da antinatalidade no veganismo é problemática

Pintura: Hartmut Kiewert

Há um crescente número de veganos que defendem a antinatalidade (ou antinatalismo). É compreensível essa defesa pelos problemas que costumam ser apresentados em justificativa a essa posição, mas também vejo que é possível apresentar uma problematização.

O que aconteceria se todos os veganos decidissem não ter filhos, mas, por outro lado, todas as pessoas que não se importam com o que é relevante ao veganismo decidissem ter filhos? Seria possível um dia um mundo vegano? A mesma consideração pode ser estendida a mudanças que dependem de transformações políticas e econômicas com base no apelo popular.

Claro que se as pessoas que não se importam com a exploração animal, ou que menos levam a sério as consequências da nossa presença no planeta, continuarem trazendo humanos para o mundo (ao contrário de quem está em posição oposta), e motivando-as a reproduzir essa posição, não serão os interesses delas que continuarão prevalecendo?

Há pessoas que defendem que eventualmente será possível um “mundo vegano” por necessidade, considerando o atual sistema alimentar e o uso irresponsável de recursos naturais, mas essa afirmação traz outro sentido, ressignificado, do que seria um “mundo vegano”, se não há associação com a nossa relação com os outros animais, e sim com as consequências para nós mesmos, o que não significa a superação do especismo.

Para quem acredita em um mundo melhor ou que luta por um mundo melhor, sob essa outra perspectiva que incito uma reflexão, talvez não ter filhos como decisão pessoal faça mais sentido do que como decisão ética. Claro que ninguém pode garantir também que a forma como os filhos são criados os levarão a ter a relação com o mundo que se espera deles.

Mas não tenho dúvida de que o mundo também reflete quais pessoas estão trazendo humanos para o mundo e o que estão transmitindo a esses humanos para que as relações aqui estabelecidas sejam transformadas ou não.

Tal questionamento não surge para situar por simplismo o certo e o errado, e sim como problematização em que observo que a questão da antinatalidade não é tão óbvia quanto parece, porque também se encaixa nas controvérsias da “faca de dois gumes”.

Jornalista e especialista em jornalismo cultural, histórico e literário (MTB: 10612/PR)

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