Descartando animais que não podem ser vendidos para o abate

Foto: Tosha Losinger

Não sabia como definir aquele espaço onde descartavam animais que não poderiam ser vendidos para abate. Disseram que morreram “antes da hora” e que dali a remoção seria mais fácil. Os corpos caíam como se nunca tivessem sido corpos.

Concluiu que não era isso, e sim que a maneira como eram jogados fazia parecer que não eram corpos – corpos não deixavam de ser corpos. “Mas a manipulação induzia e induz essa percepção.”

Batiam de um lado e do outro e ouvia-se barulho, um forte atrito, como se o que caísse fosse tão relevante quanto um pedaço de nada. Se ficasse desfigurado, não se importavam. “São só descartes.”

Aproximou a cabeça e sentiu cheiro de ferrugem. Não conseguiu ver os que estavam embaixo. Além de cobertos por outras camadas de corpos, quanto mais caíam e pesavam, mais esmagavam os primeiros arremessados.

Observou um pé, uma perna e outros membros virados e torcidos no fundo. Tentou enxergar uma cabeça num canto e encontrou uma boca semiaberta com dentes desbastados ou serrados molhada pelo sangue de outros que escorria.

Alguns ficaram com partes bem vermelhas – entre o seco e o úmido. Viu a máquina jogar mais corpos. Um rapaz errou o número de corpos e ficou devendo uma cerveja. Quem ganhou, sorriu. “Já deu. É isso.”

Olhou para dentro e notou que muitos desapareceram. “Quanto maior o volume, maior a proporção de desaparecimento.” Corpos estavam tão misturados, invertidos – um reservatório de morte.

“O que isso forma?” Quando tamparam, ficou uma fresta. Viu olhos vivos despontando no escuro e avisou o rapaz da máquina. Achou que o tirariam dali. Removeram a tampa e a máquina jogou mais corpos suínos por cima. Os olhos sumiram.

Jornalista e especialista em jornalismo cultural, histórico e literário (MTB: 10612/PR)

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