Documentário que já foi indicado ao Oscar é um olhar sobre a realidade em um matadouro

Atuando no abate de animais, La Parka já sonhou com eles. “Agora é a sua vez”, diziam. Olhavam como se ele fosse o animal a ser morto

 

Em “La Parka”, de Gabriel Serra, que já foi indicado ao Oscar de melhor documentário de curta-metragem, conhecemos Efraín Jiménez García, que trabalha em um matadouro e recebeu o apelido “La Parka”, “O Ceifador”.

No filme, disponível no Vimeo, há inúmeros momentos em que apenas o ouvimos enquanto vemos os bovinos. Muitas cenas fecham-se nas expressões deles, no que é vida e no que é morte, nesse trânsito constante.

Somos apresentados ao espaço, aos instrumentos, às trocas de roupas, ao alinhamento das facas em relação aos corpos. Tudo é feito para que os animais que chegam não saiam, não com vida.

Também há bois agitados sobre um caminhão. Antes dessa chegada, Serra registra as moscas que volteiam os vestígios de sangue dos que já não vivem.

São uma constante nesse ambiente de morte, onde animais são pesados vivos, considerando o que sobrará deles mortos. Passos apressados pelos corredores estreitos são acelerados por varas de eletrocussão.

La Parka já sonhou com bois. Eles o encaravam e diziam: “Agora é a sua vez.” Olhavam como se ele fosse o animal a ser abatido. “Havia uma razão para esse sonho”, diz enquanto a câmera capta a apreensão dos animais, o temor, a surpresa.

“Recebi o apelido La Parka no matadouro, e pegou porque sou um assassino”, afirma García, mas um assassino que corresponde aos interesses de consumo. O espaço não inspira salubridade e pedaços grandes de carne vão de um lado para o outro, no encontro que não ocorre com corpos vivos.

García faz uma referência ao inferno. Os pés de um boi se contorcem de um lado e a boca espumando se choca contra o chão. Debate-se e as patas tremulam. Uma parede móvel o lança para fora e ele é puxado por uma corrente.

O caráter intimista do filme está nos planos fechados. Há poças de sangue e muitas correntes. Uma funcionária varre também os vestígios sólidos do que era parte da vida.

“Quando minha irmã morreu eu me senti mal por matar animais. […] Os animais sentem como nós. Quando você mata animais parece que eles choram”, relata García.

Há um vazio pós-morte, o oco que fica no corpo exposto. O último animal que vemos cair, e que resiste a cair, olha para a câmera. É como se olhasse para o espectador, seu consumidor.

Jornalista e especialista em jornalismo cultural, histórico e literário (MTB: 10612/PR)

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