É a vontade humana que submete os animais à imundície

Foto: Unparalleled Suffering

Olhou os animais e o teto baixo do caminhão, que parecia reafirmação da compressão de uma vida miserável, e ainda não era o fim. A água suja que molhava e grudava nos cascos ia de um lado para o outro. “Só os cascos? Não. A sujidade atingia tudo, como se nenhuma parte do corpo pudesse ser intocada.”

Em alguns pontos, formava casca e imagens estranhas. “Vi um chão seco, tracejado, incapaz da brota de qualquer coisa que fosse. Não é assim com os animais em direção ao fim? O que pode brotar então?”

Os olhos intumescidos miravam lá fora. “Uma criatura perto de morrer assiste por tempo determinado a vida que não é sua. As coisas movem-se rapidamente onde ela não está, e ali dentro é como se tudo estivesse parado, menos a ansiedade e o temor.”

Quando o caminhão parou em um semáforo, alguém reclamou do mau cheiro e torceu o nariz para os animais – como se fossem culpados. Olharam com nojo para suas cabeças enlameadas. Outro fez piada da lama que formou um topete e outro apontou para a sujeira que caía das orelhas.

“Lembrei daqueles que riam e debochavam dos enviados para execução. Mas aqueles animais morreriam por qual tipo de condenação? O crime é inexistente. A justificativa é o imperativo do consumo.”

Também viam estranheza e desagrado aos olhos, não dominação e sofrimento. Incomodou-se com a ausência de reprovação. “Só reações de perpetuação do costume”, comentou.

“É uma viagem estranha ver a vida acontecer enquanto se é enviado para morrer. Os olhos agigantados recebem muitas imagens transitórias e recortadas. Então, em algumas horas, suas reações ao próprio estado e a tudo que viu desaparecem porque já não está aqui.”

Mais tarde, refletiu sobre o que os olhos apagados diziam. “Preciso mesmo dizer? Acredito que sempre podemos encontrar respostas dentro de nós, mas queremos?”

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Jornalista e especialista em jornalismo cultural, histórico e literário (MTB: 10612/PR)

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