E se as pessoas sentissem a dor dos outros animais?

Ilustrações: Sue Coe

“E se as pessoas sentissem a dor dos outros animais? Não falo de pessoas experimentando essa dor nos matadouros ou de submetê-las a toda as privações e crueldades às quais submetemos tantas criaturas. Não, não é sobre isso.”

A consideração veio após assistir uma sequência de vídeos sobre a exploração de animais para consumo ao longo da história. Concluiu que seria difícil uma transformação que pudesse chegar a todos apenas ao olhar para a experiência de sofrimento do outro, que é não humano – porque um olhar e o que proporciona pode depender de uma disposição ou predisposição.

“Crer que uma mudança assim possa ser estendida a todos e no nosso próprio tempo parece-me algo um tanto quanto utópico. Acredito na mudança, claro, mas as transformações mais profundas nos comportamentos e percepções gerais das sociedades humanas nunca ocorreram em tempo que podemos considerar ideal. Mas também devemos reconhecer que isso não minimiza a importância de levarmos adiante nossos desígnios contra os mais nocivos dos hábitos.”

Questionou-se como seria se as pessoas conhecessem as experiências individuais de dor dos animais independente de seus interesses e resistências em saber delas, de suas dimensões e impactos.

“Há muitos que apenas não querem saber a respeito, ou outros que sabem, mas agem como se fosse inexistente, porque ignorar uma dor que não é nossa também é cultural – das coisas que aceitamos porque as legitimamos por fortalecimento de costumes.”

Achou que seria interessante se as pessoas pudessem conhecer a dor dos animais por meio dos produtos que compram e consomem – ou que não compram, mas desejam. Onde houvesse uma vontade, lá chegaria um franco lampejo de realidade, desconectado de qualquer intenção de pouca honestidade.

“Não imagino a experiência de pegar um ou vários produtos e experimentar sofrimento animal uniforme, uma coisa visceralmente homogênea, mas variedades de dores, que intensificam-se por particularidades não humanas que envolvem tempo, estado emocional, condição, espaço e possibilidades de relações sociais ou suas ausências. Desejaria que esta realidade chegasse com ferramentas de contraponto principalmente à indiferença.”

Negação, apatia, superficialização ou impercepção sobre o que seja um animal numa cadeia de consumo são maneiras de não vê-lo ou de vê-lo e não reconhecê-lo. Se há condicionamentos diversos ao dispor de muitos, eles optarão por escolhê-los com base na conveniência que também se fortalece pela diferença.

“Não há como chegar a cada ser humano e mudar sua mente em relação a algo que prejudique outrem com a mesma dose de realidade. Como seria mais fácil se possível fosse conhecer cada mente e coração para favorecer uma transição? O quanto isso seria benéfico aos animais? Acredito que o mundo poderia mudar tão rápido, e nos afastaríamos do barbarismo que deveria ter sido deixado num passado dos mais distantes.”

De repente, recordou-se do “Boi Abatido”, de Rembrandt, e do “Porco Abatido”, de Lovis Corinth. “Não há pintura não sombria, no passado ou no presente, que retrate com sinceridade esta realidade do abate. As obras que evocam, sem os enganos da romantização, a verdadeira condição animal, não ignoram a brutalidade, porque sem esta, o que se vê traz pouca verdade.”

Pensar nisso, o levou a refletir sobre quantas pessoas há centenas de anos enxergavam os animais como animais e suas misérias, e como tanto tempo depois pode haver tantos que não os veem como animais.

“Claro que a massiva industrialização e a elevação da produtificação tornou os animais não humanos ainda mais estranhos à população, facilitando seu consumo e a emergência de níveis absurdos de dissociação e desconsideração. Porém, não posso dizer que consumir animais é reconhecê-los como animais, porque se os vemos como animais, e nós somos também animais, não deveríamos nos questionar por que, sem necessidade, ainda comemos animais?”

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Jornalista e especialista em jornalismo cultural, histórico e literário (MTB: 10612/PR)

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