E se humanos fossem transformados em outros animais?

Uma breve reflexão sobre especismo a partir do filme “O Lagosta”, de Yorgos Lanthimos

 

“O Lagosta”, do grego Yorgos Lanthimos, é um filme sobre as relações humanas pelo que é superlativo sobre as convenções sociais, mas permite refletir sobre o especismo – começando pelo fato de que na ausência do ser humano situar-se no que é aceito como humanamente social, ele é transformado em outro animal.

Ou seja, o lugar do outro animal é aquele em que não cabe o ser humano. A ideia apresenta um reducionismo, sobre o que é outro, na sua condição não humana. E não sendo humano, em forma, mas em consciência, instrumentalizá-lo, consumi-lo ou simplesmente matá-lo torna-se uma tarefa conveniente. O título do filme é referência à lagosta que o personagem de Colin Farrell pode se tornar se falhar na sua atribuição humana – como sujeito social. Um animal que, um “amigo” adverte, poderá ser cozido vivo e logo comido.

Mas o ser humano em forma humana também vive a realidade da subjugação, ocupando um lugar não humano, quando, avesso ao que é aceito como humanamente social ou incapaz de provar-se dessa maneira, é exilado em uma floresta onde torna-se alvo de caça de outros humanos que tentam se mostrar exemplares em relação ao que são a partir de um sistema de condicionamento, recompensa e punição.

São caçados, porém, não mortos em forma humana, porque o fim dá-se após a transição do humano ao não humano. O não humano então é forma de punição, de impossibilidade, de vulnerabilidade, de subalternidade. Ser não humano é ser falha humana, numa exacerbação do que é ideal sobre o supremacismo humano.

“O Lagosta” estabelece hierarquias de domínio – sobre o humano em estado almejado por uma determinação que não significa que seja especificamente sua, logo imperativa; sobre o humano como “subumano” por não corresponder com excelência ao determinismo social; e sobre o animal não humano, na escala mais baixa, pelo que é “inabilidade em ser humano”.

Ser um animal não humano é o pior que pode acontecer no filme, porque é quando o indivíduo vira um alvo mais fácil de qualquer interesse tão fútil quanto nocivo, o que não significa não experimentar algo próximo disso quando relegado a “subumano” – mas é nessa transição que há a reafirmação de que pior é ser não humano.

O filme está disponível na Netflix.

Jornalista e especialista em jornalismo cultural, histórico e literário (MTB: 10612/PR)

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