Em série, matadouro é definido como fábrica de morte

Na série francesa “As mil vidas de Bernard Tapie”, matadouro também é chamado de lugar de genocídio 

A série francesa “As mil vidas de Bernard Tapie” traz cenas que servem a uma discussão sobre especismo. No segundo episódio, Bernard (Laurent Lafitte) visita Alexis (Julien Frison) e se depara com uma parede repleta de fotos de centenas de faisões e galinholas mortos pelo avô de Alexis.

A morte dos animais é exposta e apontada como um tipo de “arte”, com corpos formando outras imagens ou a única imagem de uma ave. Depois, Bernard questiona se eles sairão para matar animais, externando contrariedade. Alexis diz: “Bernard, não se mata a caça, se coleta.”

Ou seja, Alexis nega a morte decorrente da caça, mesmo quando leva Bernard para testemunhá-lo matando uma galinhola. Ele atira contra a ave e ordena que um cão vá buscá-la para entregar-lhe em mãos. “Coleta” é o termo usado para tirar desse animal o lugar da arbitrariedade em forma de fim, de privação de vida.

A ideia do animal coletado é do animal que sequer deve ser pensado como morto.

Interessante também é notar que Bernard, que não vê sentido na caça, é de uma família da classe trabalhadora e Alexis é um aristocrata, o que faz da caça também uma ação de distinção e exercício de poder – animais que a qualquer momento podem ser “servidos” para que ele atire contra eles.

Mais tarde, quando a namorada de Alexis encontra um animal morto na piscina da casa de Bernard Tapie, ela fica chocada e enojada, então Bernard lembra que ela tem um relacionamento com alguém que por prazer “mata galinholas todo fim de semana”.

Bernard também define um matadouro como um lugar de genocídio quando tentam convencê-lo a comprar um, que está falindo. Ao visitar o local, ele se depara com grandes carcaças bovinas e ouve animais gemendo e agonizando. Diz que não tem interesse em exterminar animais, logo não compraria o que ele também define como fábrica de morte.

Embora os discursos de Bernard sobre esses animais fujam dos eufemismos que favorecem o pensar a exploração animal não humana como se não fossem sobre vidas, ele não evita a dissimulação, porque não deixa de contribuir com a morte de animais. Bernard somente recusa-se a assumir uma posição que torna inevitável reconhecer-se como “um senhor da morte”.

A série está disponível na Netflix.

Jornalista e especialista em jornalismo cultural, histórico e literário (MTB: 10612/PR)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *