Está tudo bem em alimentar animais apenas para matá-los?

Foto: Jo-Anne McArthur/We Animals

A morte de um animal pode não parecer relevante sob a perspectiva da preservação de sua vida se acreditamos que sua vida não existe para ser preservada, mas espoliada.

Se crescemos entendendo que uma “vida existe para não ser vida”, a morte tem um efeito neutralizado de impacto, porque desenvolve-se a normalização de que o que (quem) “existe para morrer é como se já estivesse morto”, pelas associações de seu corpo com o objetivo final, assim não tendo o impacto que poderia ter se fosse sobre uma vida que existisse não para ser não vida.

A ideia de “animal de produção” já tem por inerência esse efeito, porque sendo classificado como de “produção”, é estabelecida a marca de sua reificação. Sua finalidade é “produzir” tendo um fim em si mesmo, que é o seu próprio fim. Então, por condicionamento, é alimentado não para viver, mas para morrer. Independente de quais sejam as características, expressões e capacidades, o que predomina é a associação do corpo com as potencialidades de consumo.

Isso dificulta a percepção de que um animal não é um produto ou um meio para um fim, porque sua existência é, por comum associação, uma inexistência, ainda que possamos enxergá-los como criaturas de manifestações físicas. É algo que pode ser exemplificado por observações pouco racionalizadas de imersão no paladar – como alguém observar o gado no pasto e definir a cena como “uma plantação de churrasco”.

Essa percepção não seria possível se quem diz isso assimilasse tais animais como não produtos, abstendo-se de um histórico de sujeições alimentícias que moldam predileções, e em que mortes e alimentos são etapas instanciais e finais de um mesmo processo violento de naturalização.

Quem faz tal observação caçoísta não avalia de forma honesta a realidade que não é sua, portanto, ignora, por continuísmo, uma grande dimensão de impacto. Há nisso um estreitamento que favorece a perpetuidade de um conforto em que adota-se representações da realidade em que o fim do outro, em que não reconheço o que pode representar para ele, mas apenas para mim, é somente parte de um processo em que ele é condicionado a não ser conforme sou em não reconhecê-lo.

Jornalista e especialista em jornalismo cultural, histórico e literário (MTB: 10612/PR)

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