Fugiu do matadouro e morreu na rua

Um animal que foge do matadouro é como se estivesse roubando a própria vida, e isso não é permitido (Foto: Aitor Garmendia/Tras Los Muros)

Não parou de comer carne depois de ver um animal abatido. Achava que era uma forma aceitável de morrer. “O que existe de errado nisso? Não sou do tipo que fica comovido com um disparo na cabeça seguido de degola. Isso não me parece cruel. Não é como se alguém estivesse gargalhando enquanto tira uma vida. Pessoas abatem animais porque a sociedade quer carne. Quem não quer? A maioria quer.”

Mas um dia, voltando do trabalho para casa, passou em frente ao matadouro e viu um novilho arrebentar um portão e sair em disparada. “Não era como os outros que vi entrando e saindo daquele lugar.” Até então nenhum havia residido em sua memória. “O que via, nunca durava – desaparecia em poucos minutos. Eu não achava isso ruim. Por que acharia?”

O novilho corria com tanta vontade que nem seu peito sangrando pelo golpe contra o portão forçou qualquer desaceleração. Será que sabia que sua sobrevivência dependia do quanto mais longe pudesse correr e se esconder? E como superar a humanidade, com suas máquinas e força coletiva, disposta a pôr fim a esse tipo de libertação o mais rápido possível?

“Aquilo foi novidade pra mim. Era como se a vida, como um todo e no seu pleno vigor, tivesse ganhado a forma de um novilho. Havia uma luta ali, dentro e fora.” O novilho corria, mas nunca desaparecia do seu campo de visão enquanto funcionários tentavam capturá-lo.

Um animal que foge do matadouro é como se estivesse roubando a própria vida, e isso não é permitido. A polícia chegou para dar assistência, devolver a vida do bovino ao matadouro, onde poderia ser roubada em local limpo e adequado.

Mas não deu certo, e o novilho, cheio de energia, continuou correndo sem deixar o entorno até receber três tiros e cair na rua, com parte recostada num pedaço ralo de grama. “Virou ameaça”, disseram.

Enquanto o animal agonizava, movendo a cabeça e os pés, viu aquela vida não humana partindo. A polícia foi embora e ele continuou ali enquanto o recolhiam. Não foi a morte que o incomodou, subtraindo o desejo pela carne, mas uma conclusão. “Ele não sabia pra onde ir, não sabia fugir.”

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Jornalista e especialista em jornalismo cultural, histórico e literário (MTB: 10612/PR)

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