Lord Byron e a abstinência da carne

Byron admitiu em carta à sua mãe que estava determinado a abster-se de alimentos de origem animal (Arte: Richard Westall)

Um dos poetas mais controversos do Reino Unido, o satírico George Gordon Byron, ou apenas Lord Byron, entrou para a história da literatura no século 19, depois de escrever seus dois poemas mais importantes – os longos Don Juan e Childe Harold’s Pilgrimage (Peregrinação de Childe Harold). À época, muitos viam Byron como um autor que usava a literatura somente para transmitir um cínico desprezo pela humanidade.

O poeta chegou a repudiar os excessos que presenciava nos jantares da burguesia britânica. Houve episódios em que o mais antirromântico dos românticos revoltou-se ao testemunhar tantos animais mortos sendo servidos para satisfazer a glutonaria dos abastados. Isso o motivou a manifestar uma contrariedade harmonizada por meio da ironia.

Toda a História humana atesta,

que a felicidade para o Homem – o insaciável pecador! –

Desde que Eva comeu a maçã, depende em grande parte do jantar,

escreveu o poeta britânico em um excerto de Canto XVII, de Don Juan.

No entanto, Lord Byron nem sempre criticou o consumo de carne. Houve um período em que discutiu com o também poeta Percy Bysshe Shelley sobre sua resistência em relação à abstenção do consumo de animais. Porém, mais tarde admitiu em carta à sua mãe que estava determinado a abdicar de alimentos de origem animal, decisão que pode ter sido influenciada por Shelley.

“Ao homem não amo pouco, porém muito a natureza”

Segundo o poeta britânico, abster-se de consumir carne iria proporcionar-lhe percepções mais claras, um novo entendimento da vida e do mundo. Tomada a decisão, Byron, que até então era considerado tão volátil como ser humano quanto artista, adotou em determinado período um estilo de vida frugal, com uma alimentação baseada principalmente em água e biscoitos caseiros. Das bebidas alcoólicas, apenas o vinho branco ainda o acompanhava. Como alguém que tencionava afastar-se cada vez mais das armadilhas do ego e dos ardis sociais, o poeta registrou em Childe Harold’s Pilgrimage:

 Existe prazer nas matas densas

Existe êxtase na costa deserta

Existe convivência sem que haja intromissão no mar profundo e música em seu ruído

Ao homem não amo pouco, porém muito a natureza

No dia 25 de junho de 1811, de acordo com o livro Life of Lord Byron: with his letters and journals, de Thomas Moore, o poeta informou que peixe ou qualquer outro tipo de carne estava fora de cogitação: “Por isso estou estocando batatas, [outros] vegetais e biscoitos. Não estou bebendo nem vinho. Com relação à minha saúde, estou me sentindo bem. Recentemente tive malária, mas recuperei-me rapidamente.”

Em 1818, quando hospedou Percy e Mary Shelley em sua casa na Villa Diodati, nas imediações do Lago de Genebra, na Suíça, e exatamente num período chuvoso em que Mary escreveu o esboço de Frankenstein, a dieta de Lord Byron era baseada em uma fatia fina de pão com chá no café da manhã; vegetais e uma ou duas garrafas de água com gás no jantar; e uma xícara de chá verde sem açúcar na ceia. Ao sentir fome, por vezes, mastigava tabaco ou fumava charutos. “Nenhum outro regime funcionou tão bem para mim até hoje como o meu chá com biscoitos, mesmo quando me alimento com moderação”, declarou o poeta em seu diário em 1813.

Relação com os animais

Um dos problemas que mais o incomodava antes da abstenção do consumo de animais era o excruciante aumento de fluidos na sua corrente sanguínea, provocando inturgescência vascular. Isso era agravado se Byron consumisse alimentos de origem animal. “O remédio para a sua pletora é simples – a abstinência”, consta em registro pessoal de 28 de janeiro de 1817.

Ele demonstrou em alguns de seus poemas e cartas que por trás de sua abstinência também poderia haver uma motivação moral. Ademais, Lord Byron era considerado um amante dos animais, tanto que dificilmente viajava sem levar pelo menos cinco gatos. Um deles, chamado Beppo, foi homenageado com um poema homônimo. Outro de seus amigos inseparáveis era Boastwain, um cão da raça newfoundland que o inspirou a conceber Epitaph to a Dog em 1808.

Quando seu companheiro canino faleceu, Byron erigiu um monumento para eternizar a imagem de Boastwain em verso. Seguindo suas recomendações, assim que o poeta faleceu com apenas 36 anos em 19 de abril de 1824, em decorrência de imperícia médica após contrair febre reumática na Guerra de Independência da Grécia, sua família atendeu ao mais expresso dos seus pedidos: “Que o monumento em minha homenagem não seja maior do que o de Boastwain.” E assim foi feito.

Observações 

Há pesquisadores que creem que a mudança na dieta de Lord Byron era estimulada apenas por distúrbios alimentares. Independente do que o levou a abster-se do consumo de animais, a verdade é que Byron, com seu perfil antiacademicista, até hoje é uma figura labiríntica da literatura inglesa, o que significa que por mais que estudem ou escrevam a seu respeito, sempre há de perseverar a controvérsia.

Em síntese, o texto acima tem o propósito de apresentar a outra face de George Gordon Byron que ficou mais conhecido pela fama que fizeram dele do que pela sua própria história. Ainda hoje sua imagem quase sempre é associada a orgias, relacionamentos carnais com centenas de mulheres e muitos relatos envolvendo bebedeiras, além de outras extravagâncias consideradas profanas no contexto do cristianismo.

Curiosidade

O poeta John Polidori escreveu uma curta obra prosaica chamada The Vampyre, inspirada em alguns dias que conviveu com Byron e o casal Shelley na Suíça. E mais tarde, acredita-se que a história de Polidori inspirou Bram Stoker a escrever Drácula. Muita gente crê que Drácula é um personagem baseado em pesquisas sobre o conde Vlad Tepes, mas há pesquisadores que sustentam que a inspiração veio da figura de Lord Byron. Clique aqui para saber mais a respeito. 

Saiba Mais

Lord Byron, nascido em Dover, no Reino Unido, em 22 de janeiro de 1788, faleceu em Missolonghi, quando lutava contra os turcos pela independência da Grécia.

Byron tinha um defeito no pé direito, por isso mancava quando andava.

O vegetarianismo do poeta também foi inspirado no filósofo e matemático grego Pitágoras.

Referências

Moore, Thomas. Life of Lord Byron: with his letters and journals (1854).

Byron, Lord. Childe Harold’s Pilgrimage. CreateSpace Independent Publishing Platform (2009).

Byron, Lord. Don JuanCreateSpace Independent Publishing Platform (2009).

McGann, Jerome. Byron, George Gordon Noel (1788–1824). Oxford Dictionary of National Biography. Oxford University Press (2013).

MacCarthy, Fiona. Byron: Life and Legend. Farrar, Straus and Giroux; First edition (2002).

Jornalista e especialista em jornalismo cultural, histórico e literário (MTB: 10612/PR)

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