Morrer no matadouro é ser privado de si

Porcos pendurados em sequência na roldana – como se o mesmo corpo se repetisse ao infinito. “Se acontece toda hora e o tempo todo, como não apontar ausência de fim?”

Manipulação e possessão das pernas e olhos desconectando-se da vida. Sempre há um corpo fragilizado e macio que já não pertence ao próprio ser.

“Deve ser terrível ser privado de si enquanto assiste por imposição a sua liquidez, que é arbitrário derramamento da própria existência.”

O sangue que diz tudo já não diz nada e perde sua função para ganhar outra, distante do corpo saudável ao qual pertenceu. Mais um algo para vender.

Reclama do cheiro de imundície e aspecto de imundície ferrosa que vira subproduto. “Industrialização do assassinato é coisa medonha, não que de outra maneira não seja, mas é imperioso na contrafação da realidade.”

Não tira os olhos dos corpos grandes sem vida. “São como bebês gigantes de outra espécie. Até na morte têm feitio de criança. Como não conceber pela vulnerabilidade?”

O ser humano aprecia a fragilidade e faz dela campo de exercício de domínio, violência e morte. Continua pingando sangue por uma boca sem lábios, criada pela lâmina.

“Esta não fecha, mas desaparece com a decapitação.” Um corpo sem cabeça é agradável, porque anula o desconforto de olhos, boca e tudo que é parte de uma face que não é sua.

De repente, alguém balança os corpos mortos que movem-se em sincronia, e um toca o outro sem senti-lo. É silente a matéria animal e o barulho prevalente é de metal.

“A vida termina onde a carne começa.” Olha de novo para as cabeças que logo serão removidas. “No que eu poderia pensar? Apenas em vidas que não estão lá, e quando estão, já não estão.”

Não consegue ver o último porco. É tão longa a sequência que dificulta a visão. Quanto mais se esforça, mais parece distante. “E quem alcançará o último porco que morre sem parar?”

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Jornalista e especialista em jornalismo cultural, histórico e literário (MTB: 10612/PR)

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