Não é impossível ser vegano

Foto: Andrew Skowron

Não é impossível ser vegano, porque ser vegano nunca significou retirar-se completamente da cadeia de violência contra outros animais. Quero dizer, não porque quem é vegano não quer, mas porque a maneira como o sistema de produção funciona não permite essa completa “retirada”. É por isso que quando se fala em veganismo é importante pensar em dedicação e plausibilidade.

Ou seja, estou fazendo tudo que posso? Parte-se da premissa de não consumir nada de origem animal nem contribuir com outras formas de exploração animal, considerando o que é alcançável em uma sociedade como a nossa – arbitrária contra outras espécies.

Também entendo que viver, estar no mundo, é gerar impacto. O que podemos é minimizar nosso impacto, jamais zerá-lo. É por isso que não uso o termo 100% vegano. Não acho que exista um percentual sobre ser ou não ser vegano – mas apenas ser e não ser.

Não é incomum quem faz oposição ao veganismo, por exemplo, falar em componentes eletrônicos que podem ter algum subproduto de origem animal – como cola (e que também pode ser de origem não animal). Então um sujeito diz que quem é vegano não é vegano porque utiliza computador e/ou celular.

Independente de verdade ou inverdade na alegação, desde sempre o veganismo nunca foi sobre isso. Quem faz esse tipo de acusação não entende o que é o veganismo ou não quer entender. Ser vegano é reconhecer e praticar a importância de não contribuir com a exploração animal dentro de uma realidade possível.

Quem faz essa acusação também tende a dizer que “veganos dão atenção ao consumo de animais, mas ignoram outros aspectos de consumo.” Quem usa esse discurso ignora que o primeiro ponto não pode ser dissociado do segundo, porque o uso de animais para outras finalidades de consumo, mas que não tenha como fim primário a alimentação, não é causa, mas consequência.

A exploração animal partindo da pecuária sustenta-se em demandas alimentícias, e é exatamente pelo elevado consumo de animais ou de uso de animais para alimentação que a industrialização levou a humanidade a ver vantagem em atribuir “novos usos” para esses animais.

Ou seja, além do couro e de outras partes que já eram removidas e comercializadas para fins não alimentícios, a industrialização abriu as portas para que os animais tivessem mais partes utilizadas em uma infinidade de produtos. Sobre isso, imagino que muitos tenham visto já um mapa de atribuição de funcionalidade para diferentes partes de um mesmo animal. Esse é um exemplo clássico de uma nova cultura de produtificação que intensificou-se no século 20.

Minha prioridade não é falar de produtos específicos ou de ingredientes específicos de origem animal, mas convidar qualquer um a considerar que sem o abate de animais com fins alimentícios, dificilmente o custo-benefício motivaria o uso de partes desses animais para tantas outras finalidades.

É o fato de serem submetidos ao abate, logo para consumo, e terem partes consideradas descartáveis em alguns mercados, ou baratas para outros fins em consequência disso, que é tão fácil encontrar ingredientes e insumos de origem animal em tantos produtos que conhecemos e tantos outros que desconhecemos.

Não há como dissociar o uso de animais mais abatidos no mundo todo para fins alimentícios da elaboração de tantos outros produtos não alimentícios. Na realidade, isso permite que partes resultantes do abate de animais sejam usadas até mesmo como o que é considerado em alguns contextos como “não ingrediente”, como subprodutos de origem animal que podem ser utilizados em processos de produção sem clara identificação pelo seu não reconhecimento como parte da composição, mas somente de etapa de formulação, o que pode prescindir de identificação.

Os animais são usados hoje mais do que já foram em qualquer outro período. Mas pense no impacto que isso teria se houvesse uma grande desaceleração do consumo de animais. Haveria uma grande disponibilidade de matérias-primas, ingredientes ou insumos de origem animal para outros mercados? Qual seria o custo? Se o custo for elevado, será vantajoso continuar recorrendo a esse tipo de subproduto? Ou esses mercados teriam de recorrer a alternativas?

Não tenho nenhuma dúvida de que a abstenção do consumo de animais e de produtos alimentícios de origem animal de alto consumo, como laticínios e ovos (que também estimula o abate), é essencial para uma transformação nas nossas relações de consumo que envolvem exploração de animais não humanos também para fins não alimentícios.

Afinal, não imagino pessoas criando animais para extrair partes para o desenvolvimento ou fixação de componentes eletrônicos, por exemplo – o que permite esse uso hoje, hipotético ou não, é o nosso sistema alimentar.

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Jornalista e especialista em jornalismo cultural, histórico e literário (MTB: 10612/PR)

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