Enquanto as pessoas comiam, pensou nos animais que já não viviam. “É Natal, como é estranha a celebração do Natal.” Observou a diversidade de carnes que era mais resultado duma gula do que qualquer outra coisa.
“Apetite pelos animais chega a um nível ainda mais esdrúxulo no final do ano. Será que quantas pessoas realmente acreditam que são carnívoras? Passam mal e ignoram o quanto distante estão dos tigres e dos leões. Que carnívoro em verdade preocupa-se com temperos, preparos, fogo, churrasqueira e forno? O prazer também vem da crueza. E uns ainda dizem que são carnívoros. Ó, se fossem viveriam só à base de carne, sem alimento de origem diversa.”
Mas isso era o que menos importava. Mesa farta de violência doía-lhe os olhos. “E como não doer? Estou diante duma que daria pra encher um quarto de animais se ainda estivessem vivos.” Então alguém começou a discursar sobre compaixão, sobre a dádiva da vida.
Olhou para a mesa e alguns apenas acenavam com a cabeça em concordância enquanto devoravam partes assadas de animais de cinco ou seis espécies. “Meu coração enche de generosidade nesta época. Quero levar o bem a todos, quero que todos sintam-se satisfeitos e experimentem felicidade e paz sem precedentes”, ouviu.
As palavras saíam de uma boca com hálito gorduroso do pernil dum leitãozinho abatido no dia anterior. Como gemeu e sofreu o pequeno. Alguém achou que seria melhor fazer o serviço depois de colocar um saco escuro em sua cabeça. Foi o que fizeram. “Pelo que contaram, não me pareceu menos do que tortura, um vil espetáculo de sangue. E onde é diferente se dor é coisa premente?”
As partes dos animais desapareciam da mesa. “Está de parabéns quem preparou o cordeiro! Realmente macio, sabor não muito acentuado. Perfeito!”, ouviu. “Poucos meses de vida e um ato de compaixão é abrigá-lo na barriga? Quanta compaixão cabe numa barriga?” Uma criança apareceu para mostrar um pequeno presépio. “Eu disse que só não comeriam aqueles porque não eram feitos de carne. E riram e comeram o que sobrou dos animais.”
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