Acostumado a comprar porco aos pedaços, ficou surpreso quando viu um inteiro embalado a vácuo no freezer em frente ao balcão do açougue. Passava despercebido pela maioria. Duas patas dianteiras quase tocando as traseiras deu impressão estranha, de desconforto.
Estava com olhos fechados e a pele bastante arroxeada em vários pontos. Lembrou de um cachorro que encontrou morto perto de casa quando criança. “Foi espancamento. Também tinha vários pontos roxos pelo corpo, mas os olhos sem vida continuavam abertos.”
Concluiu que no caso do porco “não pegaria bem” não fechar os olhos. Quando é gente, é questão de respeito, quando é animal, de consumo. “Imagine vender um porco inteiro com olhos arregalados?”
Contorcido, sofrido ou sereno? Cada um vê o que é mais conveniente. Aproximou-se mais do leitão e observou a marca que parecia formar um gancho no canto da boca. Achou intrigante, porque porcos são sangrados pendurados pelos pés depois do choque.
Notou inchaços, marcas de agulhadas e, por instante, sentiu cheiro de remédio. O que sobrou do rabinho, virado pra cima, parecia antena, do tipo que capta crueldade. Não ficou emotivo, só imaginou como seria estar ali. “O que diriam?”
Olhando o leitão de frente, aparentava ser um bicho que sentiu frio enquanto morria. “É morte fria.” Será que mamou por quantos dias? Carimbo no plástico não dizia. Do lado, as pessoas não paravam de pegar bacon, pedaços de pernil e outras partes desconectadas do corpo e da cabeça.
Lembrou da moça que sentiu nojo ao encontrar um mamilo no bacon. Tirou o leitão do freezer e alguns clientes recuaram, como se tivessem nojo do animal sem vida e dele por tê-lo tirado do freezer. Ainda o segurando, ficou parado por minutos. Ninguém parecia interessado em pegar nada. Quando devolveu o leitão ao freezer, o movimento continuou.
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