O menino e o boi que não virou comida

Arte: Juan Bosco

Perto da Água do Cedro, encontrei uma criança andando lado a lado com um boi. Encostei o carro, desci, pedi uma informação e perguntei se ele morava longe. O menino de nove ou dez anos apontou uma porteira aberta e uma casa de madeira no horizonte à sua direita. A postura e os olhos daquele boi me fizeram suspeitar que havia algo incomum sobre ele.

E esse boi? Ele mora com vocês? Sim, senhor. Vocês estão passeando? Isso mesmo. Como o senhor sabe? É que lá de trás vocês já pareciam companheiros. E agora, de perto, vi que esse boi não tem nenhuma marca no corpo. Pra que marcar o bicho, né? Eu que não quero ter o couro marcado. Acho que ninguém quer, né?

Pois é. Realmente…Vocês passeiam sempre? Ah, não. Só quando ele quer. E como você sabe quando ele quer? Ele encosta na porteira, esfrega a orelha. Meu pai diz que ele faz isso desde criança. Desde criança? Isso. Quantos anos ele tem? Ah, ele tem 21.

Incrível, hein? É o que todo mundo diz – comentou sorrindo. Forte desse jeito? E como ele viveu tanto? Não sei dizer não, senhor. Deve ser porque a gente nunca judiou dele, deixa ele bem solto no pasto. Isso é bom. É sim. Vocês nunca pensaram em abater ele? Não, senhor. Que isso! O Mestre é da família, é bicho que nem a gente.

Vocês não comem carne? Não. A gente só mexe com horta e pomar. Meu vô, meu pai e minha mãe falam que comer o que não nasce de novo não presta. Tá certo não. Ninguém da sua família come carne? Não, ninguém. Sempre foi assim? Não. Foi por causa de uma coisa que aconteceu com o bisa antes do meu pai nascer. O que aconteceu?

Meu bisa tinha um cemitério no fundo do sítio dele. Um dia, uma vaca entrou lá e empurrou um pedaço de bife dentro de um buraco. Depois arrastou a terra com a pata pra cobrir o bife. O bezerro dela tinha sido levado fazia acho que duas semanas. Então o bisa prometeu nunca mais comer carne, nem mexer com isso. Essa história a gente escuta desde bem pequeno.

Jornalista e especialista em jornalismo cultural, histórico e literário (MTB: 10612/PR)

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