Esta é a época preferida do ano para tantas pessoas, inspiradas pelo discurso cristão, falarem em paz e em compaixão. Mas paz e compaixão para quem? Não para animais que têm suas partes assadas, grelhadas, cozidas, etc.
É uma época em que animais que não são consumidos no cotidiano também são servidos em uma mesa onde deve prevalecer o “espírito natalino”. Então é o “espírito natalino” um fator de excludência ainda maior?
Quando se fala em uma mesa farta no Natal, e que inspira anseios por mais fartura, é intrigante como tende-se a representar a fartura pela subjugação não humana, por uma maior disposição e variedade de corpos não humanos para consumo.
Há um desejo de ofertar outros corpos, de comer outros corpos. Mais carne torna-se então um evocativo emblemático de que a prosperidade do paladar é também a prosperidade do matar. Mas isso coincide com as construções discursivas de Natal?
Se dizemos que sim, então reconhecemos que a violência é desejosa, e que a paz é somente para quem escolhemos, assim como qualquer consideração evocada nesta época do ano como um lembrete do que devemos ou não fazer.
Se olho para uma mesa repleta de partes de animais, e alguém fala em paz, pergunto-me se essa paz seria evocativa do fim. Paz como referência ao morrer, porque então faria um estranho sentido, mas se é paz sobre o que não fazer, como não gerar violência, então reivindica-se um arbitrário direito a perpetuar nossa própria contradição.
Fala-se na troca de afinidades e ignora-se a troca de arbitrariedades, rejeitando que sobre a mesa os corpos somam indiferenças e conveniências humanas. Não por acaso dezembro é um mês ainda mais violento para animais que as pessoas gostam de comer, e com consumidores que também optam por comprá-los vivos e matá-los à sua maneira.
Mesmo assim, insiste-se no discurso da paz e da compaixão, talvez porque seja mais uma das pretensões em que identificamo-nos como unidos pelas graças da benevolência compartilhada, embora isso signifique excluir da paz e da premissa da compaixão tudo que não converge a uma viciada vontade.