O quanto é estranho comer animais?

Uma reflexão sobre o consumo de animais a partir do filme “Eraserhead”, de David Lynch

Podemos refletir sobre o consumo de animais a partir do filme “Eraserhead”, de David Lynch. Quando Henry (Jack Nance) é convidado para jantar com a família de Mary (Charlotte Stewart), sua namorada, o prato é frango assado.

Antes de servi-lo, o pai dela diz que eles terão “frango, coisinhas esquisitas criadas pelo homem”. O “esquisito”, no caso, não é o animal em si, mas o animal como resultado do que é transformado pelas mãos do homem, já que o frango a ser comido não existe senão pelo domínio do homem, e sendo ele resultado desse domínio e do qual não pode desvincular-se porque não existe para outro fim.

Afinal, o que é o animal que só é animal pela imposição que não pode ser inerente à sua animalidade? O frango à mesa tem forma minúscula, bem menor em comparação ao frango normalmente consumido, não sendo maior do que um punho fechado ou uma pequena ave, como uma pombinha.

Isso condiz também com o “nascer para logo morrer”, a “velocidade do tão logo não ser”, porque se o frango vive pouco, isso é ressaltado também na sua forma, na condição apequenada. O frango reflete a realidade de um mundo de velocidade, de ânsias breves e repetíveis, vorazes e violentas, de vidas instrumentalizadas, de suplantação, distorção e destruição ativa e passiva da natureza.

Há sobre o frango uma artificialidade, um remeter ao inatural. Quando Henry observa o frango a ser comido, o frango reage, movendo-se no prato, balançando as asas, de forma mecânica, não como movimentos que imitam o natural ou inerente sobre ele.

Tal animal é uma impossibilidade como vida e também impossibilidade como não vida, como se situasse em uma condição em que não pudesse ser nem uma coisa nem outra, ou as duas em formas concorrentes, pelo aberrante enquanto imposição. Henry não come o frango. A mãe de Mary, no início, saliva, e então sua expressão transforma-se num horror e numa evasão, no afastar-se da mesa.

Também é liberado um líquido do frango, algo que move-se no prato e gera repulsa, pelo aspecto, pelo som. Não apenas a matéria involuntária do frango expressa isso em “Eraserhead”, mas a própria vida em suas outras formas, que são aceitáveis até que não sejam.

O filme está disponível no Mubi.

Jornalista e especialista em jornalismo cultural, histórico e literário (MTB: 10612/PR)

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