É comum a associação de decapitação com brutalidade, barbárie. Afinal, o que evoca de positivo a imagem de alguém com a cabeça removida do corpo? Seria justificável arrancar a cabeça de alguém?
Acredito que para muitos a palavra “decapitação” remete a uma ideia medonha de violenta realização. Uma imagem de uma cabeça separada do corpo, ainda que não vista, mas somente imaginada, facilmente gera grande desagrado, incômodo.
É natural que não haja prazer sobre isso, e logo associamos às ações viscerais às quais alguém pode ser submetido quando o objetivo não é apenas matá-lo, e sim destruir também sua imagem e representação.
É mais do que assegurar o fim de uma vida, é uma ação de anulação, de rejeição, de transfiguração, de reducionismo, de obliteração e de manutenção do medo. Se pensamos nas situações em que um ser humano impôs ao outro essa prática, é mais provável que encontremos mais ódio e espetaculização como motivação do que justiça.
Mas e quando a decapitação é naturalizada e invisibilizada? Pensemos nos animais que as pessoas consomem. A maioria é submetida à decapitação. Então alguém pode dizer que a decapitação não é causa da morte, e sim consequência (embora a degola, que também reconhecemos como bárbara se praticada contra humanos, seja).
Quem diz isso tem razão, mas ser consequência não anula a prática de decapitação. Não significa que os animais consumidos não foram decapitados, que suas cabeças não foram desconectadas de seus corpos.
A decapitação representa tanto a descaracterização de uma criatura quanto uma neutralização “compatível com predileções de consumo”, que inclinam-se mais aos “desejos pela fragmentação”. E como a “decapitação” ocorre de forma institucionalizada, continuísta, é como se “não existisse decapitação”.
Porém, não significa que seja adequado acreditar que consumir uma pequena parte de um animal não significa comer parte de alguém que foi decapitado, e sua cabeça, que não estimula um desejo, é removida antes que as partes desejadas sejam vendidas.