Olhando para um animal amarrado no matadouro

Foto: AE

Olhando para um animal no matadouro com uma corda amarrada ao pescoço, e com os quatro pés em posição desconfortável, um quase cedendo ao chão, notei sua proximidade com ganchos usados para pendurar carcaças.

Havia marcas no chão, de equilíbrios desequilibrados, de passos incertos porém resistentes. Vi que a corda estendia-se aos ganchos. Começava no aperto do pescoço que forçava parte da cabeça a tocar a parede branca azulejada.

A imobilidade indesejada o deixava em conflito entre diferentes partes do corpo. “Se a corda vence o pescoço, o que fazer com o que não envolve o pescoço?” Prestei atenção na unidade, em como o indivíduo como um corpo parecia buscar uma fragmentação, como se depois pudesse recompor partes.

Os ganchos estavam logo ali e o animal sem querer aproximação. Ganchos limpos que poderiam furar a carne, penetrar partes, atravessar de um lado ao outro. “A carne é isso? Uma parte para receber furos, penetrações, cortes e mais?”

Um algo para ser atravessado sem revelar outro algo, porque já não está ali. Imaginei a ponta do gancho apontando para fora da carne. “Mas não seria também para dentro?” Pude vê-lo olhando para o gancho, e olhava também para mim, olhava para a parede, olhava para tudo.

A maneira como a corda era mantida esticada, passando por uma argola na parede e subindo até o pescoço do animal, fez-me perceber que a corda em relação à argola estava na altura das pernas que vacilavam. Veio-me ideia de “baixeza da violência”.

A corda o mantinha imóvel, e era também expressão da demanda em mantê-lo baixo, dominado, vencido. A posição daquele corpo não rejeitou essa percepção, concluí. “De onde vem essa força contra o seu corpo?”

Sua cabeça foi descendo, aproximando-se mais da argola. Perto do chão, mirava os ganchos no alto. Ganchos brilhavam e, de repente, sem ser rápido assim, já não o vi.

Jornalista e especialista em jornalismo cultural, histórico e literário (MTB: 10612/PR)

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