Parou de comer animais depois de encontrar um morto no pasto

Pintura: Felice Boselli

Parou de comer animais depois de encontrar um morto no início da noite – o sol se pondo ao fundo e o corpo se decompondo. Era um pedaço ruim, abandonado, de pasto.

Ficou em dúvida sobre o que era pior e interrompeu a ilação. Chegou ao sítio que margeava a estrada ao desencontrar o caminho mais rápido até a BR-376.

Viu o solo mexido e concluiu que o animal lutou para não morrer, forçando os cascos contra a terra seca. Pouco cavou. “Ausência de força? Solo duro é ruim até para boa enxada.”

Volteou o animal e olhou para o contorno irregular no chão. “Sofreu sim.” Até hoje não sabe se foi sacrificado ou deixado para morrer. “Mas se o executaram, por que o abandonaram, mesmo que fosse animal adoentado?”

Não mexeu na carcaça e perguntou-se quantos urubus passaram por ali, se passaram. “E se não passaram, o que aconteceu?”

Ficou intrigado com a luz natural que destacava a cabeça. Uma parte sem vida bem iluminada e outra parte sem vida intocada por porção de luz que começava a desaparecer.

“Como se o funeral fosse feito pelo sol. Ou a luz do sol é força denunciante porque pode atrair atenção de algum passante, que é meu caso.”

De repente, a miséria do corpo encheu-lhe de tristeza, afastando qualquer ideia de nojo, ocupando um todo consciencioso e despertando vergonha.

Observou bem a cabeça escanifrada coberta por porção de pele que já não cobria todo o crânio. Parecia um lenço ameaçando descolar da cabeça. Conforme balançava, pensou em uma bandeira pequena que ninguém vê.

A percepção da fragilidade, que não era sua, evocou o cotidiano. “O que são a impermanência e a debilidade que resultam em situação como esta senão danos evidentes dum costume?”

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Jornalista e especialista em jornalismo cultural, histórico e literário (MTB: 10612/PR)

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