PL do contraterrorismo pode favorecer perseguição a ativistas

“Trata-se de defender o fundamento constitucional da soberania, de forma a garantir a atuação autônoma e independente frente aos desafios que se apresentam no mundo contemporâneo”, argumenta o Major Vitor Hugo (Foto: Câmara)

Um projeto de lei sobre ações contraterroristas, do deputado Major Vitor Hugo (PSL-GO), que está em discussão na Câmara neste mês de agosto, tem sido apontado como uma iniciativa que não apenas visa coibir ações terroristas no país como também favorecer perseguição a ativistas e criminalização de movimentos sociais no Brasil.

No PL 1595/2019, Vitor Hugo diz que a proposta é uma forma do Brasil se antecipar e estar preparado para lidar com situações que atingem um número crescente de países. Segundo o deputado, o Brasil precisa estar em condições de prevenir e lidar com ações terroristas em tempo hábil, o que demandaria maior poder de deliberação por parte do poder Executivo para “reagir às ameaças”.

“Temos de estar preparados para defender o nosso país, sem abrir mão dos interesses e dos anseios brasileiros na seara internacional. Trata-se de defender o fundamento constitucional da soberania, de forma a garantir a atuação autônoma e independente frente aos desafios que se apresentam no mundo contemporâneo”, argumenta o major.

Embora o projeto tenha como amparo a questão do terrorismo internacional, a proposta vai além quando o autor discorre sobre medidas de prevenção contra o terrorismo de forma indefinida, estendendo sem especificidade ação contra qualquer grupo que supostamente atuaria em oposição “os princípios fundamentais da República”.

No PL, são citadas, por exemplo, ações de contraterrorismo que visam a manutenção de aspectos políticos, econômicos, sociais, ambientais ou internacionais. A proposta deixa em aberto dúvidas e incita desconfiança também porque, como já apontado pela diretora de Programas da Conectas Direitos Humanos, Camila Asano, pode permitir a criação de um sistema paralelo de vigilância, além de evitar que agentes públicos respondam criminalmente caso utilizem de violência indevida ou cometam outros excessos no exercício de um suposto “bem maior”, que seria o “combate ao terrorismo”.

O que mais pode acontecer 

Para Hugo Leonardo, do Conselho Consultivo da Rede Justiça Criminal, o PL é preocupante porque, além de contar com muitas inconstitucionalidades, favorece o autoritarismo e o policialismo. Já o Fórum Brasileiro de Segurança Pública avalia que a proposta pode colocar 56 mil policiais sob ordens diretas do presidente da República – o que significaria “passar por cima” dos sistemas de segurança pública.

O PL 1595/2019 também garante que autoridades tenham acesso a dados cadastrais, registros telefônicos e de viagens sem a necessidade de recorrer ao Judiciário ou Ministério Público, o que contraria o Marco Civil. No Projeto de lei, o deputado Major Vitor Hugo diz que se inspirou nas leis antiterroristas dos EUA e Israel.

“Conhecido pela sua expertise no combate ao terrorismo, à incitação, à radicalização e às ameaças cibernéticas, Israel se desvela em importante aliado no compartilhamento de estratégias de inteligência, bem como de tecnologias e mecanismos suficientes a capacitar o Brasil na constituição de instrumentos institucionalizados para prevenir a concretização dos ataques terroristas”, justifica o autor.

“Nessa busca de parcerias com outras nações, merece destaque a aproximação com os Estados Unidos, que diante do ataque ao World Trade Center, lançou a campanha militar ‘guerra ao terrorismo’. A partir daí, o país empreendeu uma série de instrumentos de combate às ações terroristas, dos quais se destaca a associação de esforços simultâneos nos campos político-diplomático, econômico, militar e de inteligência.”

Vale lembrar que nos EUA a legislação antiterrorismo não se aplica apenas a casos semelhantes ao citado, que tornou-se emblemático, mas da forma como a lei foi criada abriu um precedente para um impacto e criminalização muito mais amplos. Um exemplo é o que aconteceu com o ativista dos direitos animais Kevin Johnson.

Proposta cria cenário de incertezas 

“Meu amigo Tyler [Lang] e eu invadimos uma imunda fazenda de peles no norte de Illinois e soltamos dois mil visons de suas gaiolas apertadas para salvar suas vidas. Aproximadamente um ano depois, um homem em Fresno, Califórnia, entrou em um galpão da Foster Farms e espancou novecentos frangos até a morte com um taco de golfe. Enquanto esse homem foi condenado a 120 dias na cadeia do condado, tive que enfrentar [a possibilidade de] dez anos em uma prisão federal.”

Embora Johnson seja conhecido por praticar um ativismo com ações diretas não violentas, ele acabou condenado pela lei Animal Enterprise Terrorism Act (AETA). Ou seja, o ativista foi classificado como terrorista porque, ao libertar os visons, causou danos econômicos por uma ação baseada em seus valores morais.

“O governo federalizou um crime de propriedade e o rotulou como terrorismo, baseando-se unicamente no conteúdo das crenças sociais e políticas dos réus”, explica.

Considerando o teor do PL 1595/2019, o major Vitor Hugo também parece ter se inspirado nessa lei dos EUA, o que tem condições de gerar incertezas, preocupação e medo em relação ao exercício de diferentes formas de ativismo pacífico no país, embora seja um projeto que possa dar a entender que o objetivo maior é garantir a segurança nacional.

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Jornalista e especialista em jornalismo cultural, histórico e literário (MTB: 10612/PR)

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