PL que determina fim da inspeção agropecuária governamental obrigatória é aprovado e enviado para sanção de Bolsonaro

Foto: Aitor Garmendia

Neste mês de dezembro, representantes da Animal Equality, ANFFA Sindical, Proteção Animal Mundial, Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), Ministério Público do Trabalho, Universidade Federal do Paraná (UFPR) e indústria de alimentos e bebidas participaram de uma sessão temática no Senado que debateu o Projeto de Lei 1.293/2021, que ficou conhecido como PL do Autocontrole. No entanto, mesmo apresentando os riscos da proposta, o PL foi aprovado na forma de um relatório do senador Luis Carlos Heinze (PP-RS) e agora aguarda sanção do presidente Jair Bolsonaro.

O PL 1.293/2021 propõe o fim da inspeção agropecuária governamental obrigatória e prevê, entre outras medidas, que a inspeção na indústria agropecuária possa ser feita por pessoas físicas ou jurídicas do setor privado. Ou seja, se aprovado, irá expor a população a graves riscos de saúde – além de potencialmente negligenciar a fiscalização envolvendo o tratamento dispensado aos animais.

De acordo com o procurador do Ministério Público do Trabalho, Lincoln Roberto Nóbrega Cordeiro, o PL do Autocontrole se apresenta sob ideia de facilitação administrativa, de desburocratização, mas existem diversos pontos que trazem insegurança jurídica em relação ao papel da defesa agropecuária e aos limites de atuação das empresas privadas.

“Claramente há uma visão, para o Ministério Público do Trabalho, de redução da força da fiscalização” afirmou o procurador. Ele também enfatizou que “é fundamental fortalecer a fiscalização agropecuária e definir o limite de atuação das empresas privadas”.

Já o professor Vicente Athayde, da Universidade Federal do Paraná (UFPR) reforçou que três direitos fundamentais podem, potencialmente, ser violados pelo PL:

“O direito fundamental à saúde pública, art. 196 da Constituição; o direito fundamental à defesa do consumidor, art. 5º, inciso XXXII, da Constituição; e o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Nesse sentido, acrescentou ainda a proteção constitucional dos animais pela regra da proibição da crueldade contra animais do art. 225, §1º, inciso VII.”

Organizações de proteção animal têm destacado a preocupação com a ausência de fiscais agropecuários no momento do abate. A Animal Equality tem mostrado, por meio de relatório e vídeos, que na ausência de fiscais governamentais os abatedouros não respeitam a Portaria 365 de 2021 – que trata de abate humanitário – e nem o Regulamento da Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal (RIISPOA). Se o PL for sancionado, mais de sete bilhões de animais ficarão ainda mais suscetíveis ao abate cruel e a população brasileira poderá sofrer com as consequências das inconformidades na indústria de alimentos.

A Diretora Executiva da Animal Equality, Carla Lettieri, esteve presente no debate e relembrou que, de 2008 e 2017, foram concedidos R$ 12,3 bilhões por ano em subsídios para a indústria da carne bovina, totalizando R$ 123 bilhões. “Isso significa que, de cada R$ 100,00 de impostos pagos pelo setor, R$ 79,00 retornam para as empresas e produtores em formas de subsídios. Podemos dizer sem sombra de dúvidas que não é o agronegócio que sustenta o Brasil, é o brasileiro que sustenta o agronegócio com o dinheiro que sai de seus impostos”, disse Carla.

A nutricionista, pesquisadora da USP e representante do Movimento Juntos Contra o Câncer, Isabelli Novelli apresentou dados de pesquisas internacionais e concluiu que “a autorregulação tende a levar a uma análise mais fraca dos dados científicos, o que pode acarretar doenças por excesso de alimentos contaminados sendo oferecidos ao consumidor”.

Matheus Falcão, do Instituto de Defesa dos Direitos do Consumidor (IDEC), enfatizou o impacto do artigo 19º do PL, que autoriza a isenção e simplificação de registro e/ou cadastro a produtos de uso veterinário aplicados em animais produtores de alimentos e aos produtos sob controle de comercialização.

Matheus relembrou que resistência aos antibióticos será a principal causa de morte, de acordo com a Organização Mundial de Saúde, superando inclusive o câncer. “Nós deveríamos, na verdade, estar debatendo um aumento da regulação, um aumento da fiscalização”, alertou.

José Rodolfo Ciocca, que representou a Proteção Animal Mundial, apresentou dados de uma pesquisa, realizada durante um acordo de cooperação com o Ministério de Agricultura para capacitar fiscais federais agropecuários para acompanhamento do abate.

“Nos anos em que acompanhamos o trabalho desses fiscais federais, nós observamos que, muitas vezes, havia uma inconsistência nos dados gerados pelo autocontrole da empresa comparados com esses dados oficiais. Isso mostra, de forma clara, que o programa de autocontrole, quando não fiscalizado de forma permanente e frequente pelos órgãos oficiais, gera um risco não apenas para os animais, mas também coloca em risco a saúde da população brasileira”, alertou Ciocca, que também enfatizou que as falhas nessas ações muitas vezes não eram detectadas pela empresa ou por um veterinário privado – o que acontecia por inúmeros motivos, dentre eles conflitos de interesse ou até um excesso de carga de trabalho.

Ricardo Aurélio, vice-presidente do Anffa Sindical, pontuou as ações do Sindicato em contrário ao PL, como as 25 emendas apresentadas e destacou que o texto do projeto não é convincente o bastante para trazer segurança à sociedade.

Jornalista e especialista em jornalismo cultural, histórico e literário (MTB: 10612/PR)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *