Por que matar pra comer?

É todo dia a mesma coisa. “E por que não seria? É o consumo que determina” (Foto: Linas Korta)

Matadouro é lugar estranho. Animais chegam saudáveis, na coletividade, e tomam banho pra morrer – diferença de alguns minutos ou horas, depende do movimento, funcionamento, estado. É pra comer. Sem saber ou talvez não – até (in)determinada hora ou ponto. Acho que vai perceber. “Será?” Por que matar pra comer? “Porque sim!”

Estrutura com tantos instrumentos, paredes claras e escurecidas, funcionários uniformizados e identificados, plataformas, luzes que oscilam de um ambiente para outro – cenário criado para obliterar, matar – sem reprovar.

Favorece aceitação profissional mesmo diante de mugidos, gemidos e resistência, que passam despercebidos. Há pouco estranhamento por causa da repetição. É todo dia a mesma coisa. “E por que não seria? É o consumo que determina.”

Maldade não é vista como maldade – força da continuidade, legitimidade. É o olho estranho da sociedade. Apetite faz caminhão encostar toda hora na área de recepção. Bichos que descem nunca mais sobem.

Expressão da chegada vai mudando na entrada, e mais ainda na profundidade da experiência que não se repete. A maioria não entra mais de uma vez e tudo que vê é novidade – cada passagem e cada encontro, com pessoas, com coisas, com a morte.

Emoções e sentimentos, quem já quantificou? Diferenciou? “Por quê?” “Pra quê?” Tem gente para controlar reação. Função de enganação? Já ouvi algo do tipo. Mansidão desses animais mostra por que o ser humano, na malícia da conveniência, os domesticou e subjugou.

Matadouro é lugar estranho. Pernas que poderiam percorrer o campo são destinadas à inutilidade. “Acho que não. E o garrão?” Os últimos passos são dentro de uma caixa, onde as pernas vão se dobrando, desconectando-se de si, até ser dominado pela incapacidade em resistir.

Hoje seria preciso encontrar uma palavra mais forte do que malícia? Talvez não seja necessário. Deixe pra lá, acho que basta olhar querendo observar.

Gosta do trabalho da Vegazeta? Colabore realizando uma doação de qualquer valor clicando no botão abaixo: 




Jornalista e especialista em jornalismo cultural, histórico e literário (MTB: 10612/PR)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *