Por que os animais são sujeitos morais

Rowlands: “Enquanto os animais são realmente pacientes morais, e não apenas agentes morais, eles também podem ser sujeitos morais” (Foto: Reprodução)

Em 2012, o filósofo galês Mark Rowlands, professor da Universidade de Miami e autor do best-seller “The Philosopher and the Wolf”, publicou o livro “Can Animals be Moral?”, em que explica por que os animais não humanos são sujeitos morais. No livro, Rowlands apresenta argumentos que ratificam o quão equivocado é o discurso de que os seres humanos têm capacidades que os outros animais não têm, por isso eles não são sujeitos morais.

Rowlands reconhece que os seres humanos têm a capacidade de uma consciência moral com a qual os outros animais não podem rivalizar, porém rebate que não é necessário que um indivíduo não humano tenha a capacidade de analisar seus motivos enquanto sujeito moral para ser um sujeito moral.

Para contrapor essa perspectiva, entre outros exemplos, ele cita o luto dos animais ao perderem membros familiares, e também casos de seres não humanos que se recusam a se alimentarem caso o custo de uma refeição seja infligir dor a um semelhante. Essas são evidentemente razões morais básicas que compõem o universo dos animais não humanos.

“Quando fazem isso, eles [os animais] estão fazendo exatamente o que fazemos quando agimos com base nessas razões: estão agindo de forma moral”, defende o filósofo que na obra apresenta falhas nos discursos de Aristóteles, Immanuel Kant e muitos outros filósofos, pensadores e cientistas que concordariam que os animais não se qualificam como sujeitos morais porque não são capazes de analisar criticamente suas motivações e a relação entre suas ações e motivações.

Em “Can Animals Be Moral?”, o autor defende a reivindicação de possibilidade, ponderando que animais são facilmente motivados por estados emocionais que ele define como emoções morais. Entre os exemplos estão a compaixão, empatia, simpatia, tolerância, luto, ciúmes, malícia, medo e pavor. Rowlands frisa que os animais podem agir moralmente com base nessas emoções que possuem conteúdo moral identificável. “A atribuição de motivação moral aos animais é quase sempre considerada como impossível. Em parte, [muitos] filósofos têm razões respeitáveis, embora em última análise, equivocadas. Mas, em parte, eles estão confusos”, declara.

O filósofo argumenta que os animais são sujeitos morais no sentido de que eles são sujeitos de emoções carregadas moralmente. Os animais não humanos compõem a sua própria categoria de “assuntos morais”. Ademais, enquanto sujeitos morais, podem ser agentes morais, pacientes morais; ou ambos, como defendido pelo filósofo moral David DeGrazia. “Se ele [um animal não humano] é um paciente moral, […] é uma entidade que tem interesses que devem ser levados em consideração quando são tomadas decisões sobre ele ou que impactam sobre ele”, escreveu Mark Rowlands.

Para DeGrazia, em uma perspectiva também compartilhada por Rowlands, uma manifestação de que os animais podem ser agentes morais são ações não condicionadas ou não instintivas em que eles manifestam virtudes ou escolhas. Partindo desse exemplo, os animais podem ser considerados agentes morais sempre que suas ações permitirem uma concepção razoável de agência moral, ou seja, de capacidade de agir ou de se abster de agir intencionalmente ou de forma não previamente determinada.

“Devo argumentar que existe outra opção: enquanto os animais são realmente pacientes morais, e não apenas agentes morais, eles também podem ser sujeitos morais”, enfatiza Mark Rowlands. No entanto, um problema comum é que enquanto pacientes morais, normalmente os interesses dos animais não humanos não são considerados, principalmente quando submetidos a ações de agentes morais que não os consideram como sujeitos morais.

A própria filosofia é um exemplo disso, já que ainda hoje a moralidade não humana sofre com a negação filosófica em muitos círculos. Rowlands critica o desinteresse de muitos filósofos, inclusive alguns grandes pensadores, em relação ao status moral não humano. Ele vê isso como uma grande falha histórica, ponderando que a filosofia sempre se debruçou sobre questões como racionalidade, motivação, autonomia, normatividade, autoconsciência e livre arbítrio. São questões que poderiam ter sido muito melhor discutidas se desde o princípio não tivéssemos nos limitado a uma perspectiva que não se preocupou em ir além da observação humana sobre seres humanos.

A maior falha de muitos filósofos da atualidade, assim como filósofos de outros tempos, é que eles não perceberam como os animais são bons em nos fazer refletir. Outra observação interessante apresentada pelo filósofo galês é que a ciência nunca simpatizou muito com a filosofia moral. Porém, ainda assim se apropriou da linguagem da moralidade; passando a usar terminologias morais como altruísmo, empatia, equidade e justiça no contexto do discurso científico.

São apropriações que surgiram principalmente nas últimas décadas quando cientistas passaram a se dedicar mais aos estudos de fundamentação empírica sobre cognição e emoção envolvendo animais não humanos. Contudo, isso prova que a mudança em relação ao entendimento de seres não humanos como sujeitos morais também está acontecendo no campo da ciência, embora ainda haja resistência.

Rowlands acredita que muitos cientistas rejeitam a filosofia moral que envolve também seres não humanos porque creem que é uma ameaça à objetividade. Contudo, além de ser uma crença equivocada, é contraproducente, porque o ceticismo exagerado em relação aos outros animais ajudou a fortalecer o antropocentrismo e o especismo, impondo limites inexoráveis ao conhecimento humano sobre a vida, o mundo e a natureza. O filósofo galês vê a ciência como um caminho, mas não a considera prioritária ou exclusiva no entendimento das emoções animais, isto porque a filosofia moral também depende de evidências empíricas; e hoje a própria ciência tem buscado, mais do que em qualquer outro período, entender o comportamento animal a partir dessas evidências.

Saiba Mais

Mark Rowlands é um filósofo que se dedica ao estudo do status moral de animais não humanos. Ele nasceu em Newport, no País de Gales, em 1962.

Referência

Rowlands, Mark. Can Animals be Moral? Oxford University Press. Reprint Edition (2012-2015).

Jornalista e especialista em jornalismo cultural, histórico e literário (MTB: 10612/PR)

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