Por que subestimar o sofrimento dos peixes?

Uma reflexão sobre a dor de ser peixe a partir do filme “Me chame pelo seu nome”, de Luca Guadagnino

No filme “Me chame pelo seu nome”, adaptação de Luca Guadagnino do livro homônimo de André Aciman, há uma cena em que Elio (Timothée Chalamet), mesmo sendo um jovem bem sensível, quando se depara com um senhor que lhe exibe um peixe recém-pescado, tem uma atitude que reproduz o que é comum sobre a indiferença humana em relação a esses animais. Sua reação externa como é normal não observar neles o que é importante para eles.

Mesmo pessoas consideradas dotadas de incomum sensibilidade podem ser indiferentes a isso e acredito que todos nós sabemos disso e não temos motivo para negar que essa seja a realidade. No caso dos peixes, a indiferença em relação ao seu sofrimento é ainda mais crítica em comparação, por exemplo, com mamíferos submetidos à exploração e morte.

A expressão do seu sofrimento é mais silenciosa e pode ser mais dissimulada e inconsiderada. Ademais, o aspecto do peixe, por não ser um mamífero, normalmente desperta menos empatia, mesmo quando está agonizando diante de olhos humanos.

No filme, por exemplo, um peixe colocado diante de Elio, na impossibilidade de fuga, move somente a boca, tentando reagir à asfixia, que determinará sua morte precedida pela agonia. A vulnerabilidade dele é tratada como inerência que existe para o benefício humano, e não como algo que deveria ser revisto pela mesma condição – de vulnerabilidade.

Elio não pensa no quanto isso é terrível para o animal. Ele, assim como tantos, não acha que é relevante fazê-lo, e também porque está inserido em uma realidade em que não é motivado a fazê-lo, e sozinho não desenvolve tal reconhecimento.

Em vez de demonstrar empatia, Elio mimetiza o peixe, imitando o movimento e o som da boca do animal, que sofre e que ele observa, insensivelmente, sem reconhecê-lo como indivíduo. Muitas pessoas fazem essa imitação que expressa a trivialização do que é visceral sobre a privação do outro (não humano).

Elio, assim como tantos fora do cenário fictício, sorri e vê graça nisso, porque ignora a experiência para o peixe. A reação não humana, se pode ser engraçada para quem o subjuga e para quem participa dessa subjugação pelo consumo, é o momento mais terrível que precede a morte, quando o animal tenta reagir em vão, porque não o deixarão viver.

Então o animal há pouco capturado desaparece do campo de visão de Elio. Esse encontro para o humano é somente trivial, esquecível, mesmo que para o peixe seja a experiência que antecede o fim. Isso mostra como a naturalização da violência contra outros animais é negada na sua gravidade e também por sua romantização, pela crença de que o que é feito com esses animais é somente o que deve ser feito.

O filme está disponível na Netflix e no Prime Video.

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Jornalista e especialista em jornalismo cultural, histórico e literário (MTB: 10612/PR)

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