Abriu a geladeira e não encontrou todos os produtos que comprou no mercado pela manhã. “Cadê minhas carnes, meu bacon, meu salame, salsicha, linguiça? E os bifes?”
Havia animais que faziam esforço para livrarem-se das divisórias, grades e porta-produtos, mas estava muito apertado, e seus corpos comprimidos acompanhavam o formato de cada espaço.
Alguns gemiam tentando sair daquele ambiente refrigerado, outros guinchavam, mugiam e piavam. Não conseguia se mover, apenas assistir o que acontecia. Fechava os olhos, abria, esfregava as mãos no rosto. Nada mudava.
Na surpresa e no desconcerto, acotovelou uma caixa de leite e derrubou alguns ovos encaixados do lado de dentro da porta. O líquido branco virou sangue em contato com o chão, assim como claras e gemas, já misturados. Tudo se misturava.
Encostaram nos seus pés descalços e percorreram a pele entre os dedos, até que saltou sobre a cadeira. O que sentia não era o que via. “Toque de pelo, couro e penas? Como?”
Tapou os ouvidos para não ouvir sons desconfortáveis. “Que barulheira de animal! Isso não pode ser real! Que loucura! Isso é loucura! Só quero minha comida de volta, nada mais!”
A geladeira balançava, como se fosse tombar a qualquer momento. Mais bandejas e embalagens desapareceram. Tudo trincava lá dentro. Parou de resistir, de recuar, e os sons deixaram de ser desconfortáveis – eram compreensíveis.
Ficou confuso sobre a transformação, que era ausência de percepção. Parou de se preocupar com os produtos e prestou atenção nos animais à sua frente. De repente, as divisórias, as grades e os porta-produtos desapareceram e os animais saíram.
Não sentiu incômodo ou tentou segurá-los. Apenas ficou parado. Quando acordou, foi até a cozinha e abriu a geladeira – sem divisórias e sem grades. Só sorriu. “Acho melhor assim.”
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