Quando animais tentaram sair da geladeira

Pintura: Dana Ellyn

Abriu a geladeira e não encontrou todos os produtos que comprou no mercado pela manhã. “Cadê minhas carnes, meu bacon, meu salame, salsicha, linguiça? E os bifes?”

Havia animais que faziam esforço para livrarem-se das divisórias, grades e porta-produtos, mas estava muito apertado, e seus corpos comprimidos acompanhavam o formato de cada espaço.

Alguns gemiam tentando sair daquele ambiente refrigerado, outros guinchavam, mugiam e piavam. Não conseguia se mover, apenas assistir o que acontecia. Fechava os olhos, abria, esfregava as mãos no rosto. Nada mudava.

Na surpresa e no desconcerto, acotovelou uma caixa de leite e derrubou alguns ovos encaixados do lado de dentro da porta. O líquido branco virou sangue em contato com o chão, assim como claras e gemas, já misturados. Tudo se misturava.

Encostaram nos seus pés descalços e percorreram a pele entre os dedos, até que saltou sobre a cadeira. O que sentia não era o que via. “Toque de pelo, couro e penas? Como?”

Tapou os ouvidos para não ouvir sons desconfortáveis. “Que barulheira de animal! Isso não pode ser real! Que loucura! Isso é loucura! Só quero minha comida de volta, nada mais!”

A geladeira balançava, como se fosse tombar a qualquer momento. Mais bandejas e embalagens desapareceram. Tudo trincava lá dentro. Parou de resistir, de recuar, e os sons deixaram de ser desconfortáveis – eram compreensíveis.

Ficou confuso sobre a transformação, que era ausência de percepção. Parou de se preocupar com os produtos e prestou atenção nos animais à sua frente. De repente, as divisórias, as grades e os porta-produtos desapareceram e os animais saíram.

Não sentiu incômodo ou tentou segurá-los. Apenas ficou parado. Quando acordou, foi até a cozinha e abriu a geladeira – sem divisórias e sem grades. Só sorriu. “Acho melhor assim.”

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Jornalista e especialista em jornalismo cultural, histórico e literário (MTB: 10612/PR)

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