Quanto há de miséria não humana em nossos hábitos de consumo?

Foto: Andrew Skowron

Quando pensamos em animais transportados para o abate, logo podemos associar seus fins à chegada ao matadouro. Mas e quando esses animais morrem durante essas viagens? O que isso nos diz sobre condições de vida, estados de saúde, privações?

Não fala-se muito, para não dizer menos, em números envolvendo animais que morrem a caminho do abate. É como se fosse algo a se ocultar, porque revela mais uma das terríveis facetas de um sistema alicerçado em hábitos de consumo.

Frangos e galinhas, por exemplo, têm dificuldade em regular a temperatura corporal, sofrem de ineficiência na troca de calor e começam a arquejar quando a temperatura ultrapassa 28 graus.

Às vezes, imagino quantos animais chegam ao matadouro após uma viagem em que dividiram o espaço com outros que morreram. O quanto isso pode ser simbólico de uma realidade de miséria não humana?

Por “questões sanitárias”, os falecidos são descartados como lixo, mesmo mortos fora de uma plataforma industrial. Os outros são submetidos à violenta desconexão entre vida e corpo e, privados do próprio corpo, que é uma subtração de si por injunção, consuma-se a descarnação – atendendo aos interesses do consumidor.

Isso marca dois fins, da inutilização e da terminação da produtificação, ratificada pela transformação/redução de um animal em “algo” do agrado de outro animal (humano), porque o prazer de comer também depende do quanto a vítima animal é distanciada do que foi para tornar-se o que se deseja.

A salivação, por exemplo, não é comum entre humanos que observam animais vivos, mas é entre aqueles que estão diante do que já é visto e identificado como “partes carnosas”, que recebem nomes derivativos, diversos e são desconectadas por prevalência usual de um passado ou história precedente, ainda que sejam inequívocos.

Nenhum adulto, por exemplo, negará que é a carne de um animal, mas isso também não significa pensar no animal, porque o fator de predileção, que é um grande reforçador do continuísmo, tende à rejeição ao que pode ser desagradável ou desconfortável em situações em que busca-se satisfação.

Jornalista e especialista em jornalismo cultural, histórico e literário (MTB: 10612/PR)

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