Quem olha com atenção um animal a caminho do abate?

Quem olha com atenção um animal a caminho do abate? Os caminhões passam por tantos veículos, tanta gente. Não há atenção para o animal que em breve morrerá. Olhos humanos o encontram, e logo é como se nunca tivesse passado por ali.

É vê-lo sem vê-lo, sem percebê-lo, sem reconhecê-lo. É olhar sem deixar o olhar ficar, levá-lo sem hesitar. O olhar passeia orbitando pela indiferença. Não há tristeza. Para quem nunca viu, quem sabe, rápida estranheza.

É só o acaso do dia. Só mais um caminhão. Só mais um grupo de animais que partirá como deve ser. Acontece de o caminhão se afastar e o cheiro ficar. Então o mau cheiro é lembrança, e o animal é esquecimento.

Mas se olho com atenção para cada animal em um caminhão, quantas reações posso encontrar? Não posso dizer que são iguais como se feitos de repetições, de indistinções. Isso também não é sobre ser um indivíduo?

Um olhar que mira ou não fora do caminhão, a maneira como move o corpo, sua posição, suas expressões, seus incômodos e curiosidades. Se tudo que vejo é uniformidade, é porque olho para eles ou para minha crença em relação a eles?

É querer arrancar a individualidade de um animal dizer que não são feitos também de diferenças. E não arrancam? Assim como a carne, a capacidade de olhar, de reagir, de querer – é desejo pelo não ser.

Há sempre um animal observando a partir desses caminhões, e imagino se ele sabe que os olhos que veem sem ver estão perto da boca que os recebe.

Jornalista e especialista em jornalismo cultural, histórico e literário (MTB: 10612/PR)

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