Quem quer ser um novilho no matadouro?

Foto: AE

Novilho olha para cima no box. É dali que também vem a violência. Olhos brilham azuis, como se fosse pra combinar ou denunciar a parede gastada pelas batidas de corpo, pelas reações já esperadas.

Tem menos de dois palmos para cada lado além do chifre e numerações repetidas nas orelhas. Lembrete duplo de que foi feito só para morrer.

Por onde entrou, não tem volta. Tudo se fecha sobre ele e pode-se ver vestígios de quem já passou por ali. Na altura do chifre, mais embaixo e atrás. Tem piso gradeado pra escorrer o que já não pode ser. Narinas ficam úmidas, como se fosse de leite.

Olha para um lado, para o outro e não consegue ter uma perspectiva diferente. Tudo é igual, fechado. Virar o corpo, impossível. Se cai, não pode cair deitado sem se encolher. Falta espaço. É pra faltar, como dizem. Facilita.

“Quem é você na ordem do dia? O número na orelha?” Têm pressa, já pensam no próximo. Cheiro é forte, acumula-se ao longo do dia. Resultado da sequência que fura o crânio.

Pode olhar, reagir, tentar resistir. Pode ser lembrado por reação persistente, até ser esquecido como os outros.

Se alguém tira foto, fica uma representação, de que você não está ali, mas continua ali. Porque você é você e mais alguém, e outro alguém e outro mais. Continua chegando e não tem como escapar.

Olha para cima, continua olhando. Já foi e também não foi. O fim é de cima para baixo, inferiorizado. Depois é invertido. Dizem que é assim. “Só assim.” Quem quer ser um novilho no matadouro?

Jornalista e especialista em jornalismo cultural, histórico e literário (MTB: 10612/PR)

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