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Sai o cachorro-do-mato e entra o boi

Um não vive para que outro também não viva

Voltando para casa, vi na estrada um cachorro-do-mato morto. Mais adiante, vi o que restou de um boi morto mangueira adentro. O rabo do cachorro-do-mato apontava para uma goiabeira.

Lembrei-me de uma história que ouvi na infância sobre um cachorro-do-mato que foi morto a tiros enquanto comia as goiabas que caíam no chão de uma fazenda que ocupava uma porção de floresta. Pensei na conexão do cachorro-do-mato com o boi.

Sai o cachorro-do-mato e entra o boi. Um não vive para que outro também não viva. Há uma contradição inerente a essas duas realidades, em que a privação de um depende da privação de outro.

O cachorro-do-mato foi atropelado. Não estavam longe um do outro, e o fim de um era também o fim de outro, nessa conexão em que o natural é expulso para a exploração do inatural.

Dois corpos caídos de forma precoce, pelo que é ação humana. Um buscando a sobrevivência pelo que sobre si é inerência, e o outro incapaz de sobreviver sem a ação humana que o alimenta para matá-lo.

Havia um pasto imenso perto do cachorro-do-mato. Imaginei quantos animais silvestres caberiam naquele espaço agora pouco habitado. O natural deve habituar-se ao que é inatural.

O corpo no asfalto não era apenas sobre os riscos da travessia silvestre, mas sobre o que obrigou o cachorro-do-mato a passar por ali. Duas mortes compartilhando o mesmo contraditório sentido.

O boi morreu por um fim que não é seu, e o cachorro-do-mato também.

Leia também “Sobre a tristeza de matar um rato“, “O animal deseja o zoológico?” e “A criança que não quer se alimentar de animais“.

Jornalista (MTB: 10612/PR) e mestre em Estudos Culturais (UFMS).

2 respostas

  1. Que pena que existe tanta maudade, e crueldade humana. As vezes eu penso que poderia ser tão diferente,se o ser humano entendece mais os valores de sua própria família. Pois somos todos animais, assim como os outros animais que não recebi nenhum respeito humano. É por isso que o nosso Planeta sofre a terrível destruição da nossa natureza.

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