Sobre o animal que resiste a entrar no matadouro

Se um animal resiste em ser arrastado para dentro de um matadouro, quais são as chances de prevalecimento do seu interesse? Alguém pode dizer que o animal não sabe o que o espera.

Considerando isso verdade, mesmo que ele não saiba, sua reação contra a força humana não revela que sobre seu corpo não é permitido a ele exercer controle? Ponderando que o animal não humano pode não querer entrar nesse local e, não querendo, não é essa imposição uma violência que rejeita sua indisposição?

Sua resistência não é sobre algum tipo de incômodo, desconforto? Mesmo que ele não saiba o que o espera, se sabemos, não podemos racionalizar sobre sua situação por um viés que não seja sobre nós?

Vejo esse animal que mantém o corpo entre dois espaços – um móvel, que o trouxe, assim como trouxe tantos e assim continuará, e um fixo, que prenuncia o fim de seu trânsito e também de tantos outros.

Não é preciso ver quem o puxa matadouro adentro, para o prevalecimento de uma vontade que não é a do animal, mas também não é individualmente humana. Não há necessidade em ver um rosto e um corpo exercendo a força que determina que a recusa do animal não humano não prevalecerá.

Associar isso a uma imagem humana seria um fácil reducionismo, porque o pé do animal que mira o matadouro, e não porque o animal quer, e sim porque ele não quer, tem sobre ele uma força imperativa, predominante porque é coletiva.

A força que o impede de escapar à situação é menos material e mais imaterial, é incorpórea na sua motivação material, porque não é a força de uma mão.

Uma mão não o forçaria àquela situação se dissociada de intenções/anseios coletivos ou se limitada ao indivíduo, porque aquele espaço não constitui-se pelo indivíduo que simboliza “um exercício de poder sobre o animal”, ainda que esse poder não seja seu, mas seja ele seu representante contextual/pontual.

Enfim, nada reafirma que seja sobre um indivíduo. Logo o que impede o animal de livrar-se do que controla sua mobilidade é o interesse por sua definitiva imobilidade, e que não surge no matadouro, porém determina sua permanência.

Jornalista e especialista em jornalismo cultural, histórico e literário (MTB: 10612/PR)

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