Sobre o animal que vê o seu fim no matadouro

Foto: Unparalleled Suffering

Um animal será abatido e perto dele há partes de um corpo como o seu, mesmo tamanho, mesmo peso, enfim, composição corporal parente. A diferença é que já foi violentamente removido de sua condição corporal integral – descarnado e reduzido a partes para venda/consumo. Mas aquele também é ele.

É como se não houvesse linearidade temporal, porque o chegar (ser chegado) e o partir (ser partido) são partes de um processo de simultaneidade, onde princípio e fim são desmantelados – que evoca sem parar o estar e o não estar, como se o mesmo animal chegasse (fosse chegado) e partisse (fosse partido) o tempo todo, numa condição helicoidal, espiral, da qual ele é incapaz de se livrar.

Ou seja, posso falar em antes e depois, mas o antes nunca é só antes e o depois nunca é só depois se o processo é sobre o precedente e sucedente que não cessam e misturam-se, transformam-se um no outro – e sua condição e subtração não humana vai e volta, como se fosse e não fosse sem parar.

Então ver um animal vivo como vítima de um processo condicionante e arbitrário é vê-lo morto, mas também é vê-lo vivo, arrancado de sua condição de estar, que é também não estar. Defino sua situação como a do “sujeito não humano em trânsito de violências que cessam para não cessar”, porque as violências são acumulativas e não terminativas.

Por exemplo, diante dele, há duas cordas. Uma o mantém preso antes de ser morto e a outra não – e já representa a ausência de um corpo que é também o seu. E quando ele já não estiver ali, a corda envolverá mais pescoços, que não são o seu enquanto serão, porque o sujeito descarnado é sempre ele, e o sujeito que logo será também é, assim como aquele que chegará.

Há uma evidenciação de uma espiral de violações/obliterações em que o sujeito é submetido a uma realidade nociva que é simultaneamente efêmera e perenal, por sua cessação que é não cessação. A espiral remete também a todas as associações com sua coisificação. E embora continue ali, ele já foi mordido e engolido; mas também continua sendo submetido e enviado para ser degolado e descarnado, já que no matadouro a morte não humana não tem fim.

Jornalista e especialista em jornalismo cultural, histórico e literário (MTB: 10612/PR)

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