Sobre um bezerro morto pela vontade humana

Foto: Andrew Skowron

Vi um corpo pequeno, magro e sem vida. Esvaziado de alguma coisa ou de tudo. Era um bezerro, com a cabeça ocultada, não por ele.

Olhei o pasto a alguns metros. “E essa face que daqui não vejo?” Para quantos é como se não tivesse uma? Poderia pensar no tempo.

Há quanto estava ali? Isso importava ou apenas o fato de estar ali? Uma parte do corpo caído mais alta e uma mais afundada, expondo costelas.

Parecia faminto. Será? Mas já não sentia fome. Não precisaria mais comer, e se comesse não seria para si mesmo. “Um corpo deixado.”

O que sentiu enquanto viveu? Não encontrei sentido específico para o viveu. O viver não tem definição específica, é polissêmico.

Continuei tentando imaginar o que é o viveu para o bezerro. Então parei de imaginar, porque não quis atribuir um significado equivocado. E voltei a imaginar.

Tinha número num pedaço de plástico amarelo fixado no corpo. Lembrei de embalagens jogadas no lixo e em qualquer lugar, com códigos de barra, números.

Esvaziam o que tem dentro e ficam os números. Produtos são assim, assim como tudo que dizemos que sim.

Jornalista e especialista em jornalismo cultural, histórico e literário (MTB: 10612/PR)

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