Uma criança pode ser cruel com os animais sem que racionalize a crueldade

Uma criança pode ser cruel com os animais sem que racionalize a crueldade. Uma forma de favorecer isso é por meio de práticas que a partir de sua construção social e da institucionalização sejam identificadas como “normais”.

A normalização da crueldade permite que uma criança não reconheça a crueldade como crueldade, porque absorta em um contexto de não contestação, nem todas compreenderão que submeter animais, validar a diversa violência contra não humanos, é reprovável.

Quando vejo uma criança reproduzindo práticas de supremacismo humano, dominação não humana, racionalizo que essa construção de sua concepção e ser social que não vê problema em submeter animais surgiu de algum lugar. E sendo práticas que são reforçadas por sua família e outras pessoas de seu círculo social, os sinais de que “está tudo bem em tomar parte nisso” são costumeiros.

Causar mal aos animais é sempre reprovável, porém é imponderado subestimar o fator social de estandardização e recrudescimento dessas práticas. Se reconhecemos a violência imanente à subjugação animal, logo a reprovamos, mas e quando a violência é uma ausência para quem toma parte dela? Isso ocorre porque essa constatação, que parece-nos tão óbvia, depende se estamos olhando para a vítima ou para nós mesmos.

Uma criança pode crescer com a percepção de que um animal é uma criatura desanimalizada, em que é reconhecido não o animal como é, e sim o animal como um recorte reificado, coisificado, do interesse humano, de algo (alguém) que deve existir em nosso benefício – uma representação esvaziada em relação ao que não é sobre mim; o que facilita percebê-lo com estranheza e distanciamento que reproduz a crença de que participar de sua violência não é uma violência.

Quando se é contra a exploração animal, há uma percepção bem definida da questão, mas quando não se é, estar diante de um animal pode ser como não estar, porque não o vê (por recusa continuada por condicionamento) e assim o submete ou anui o submeter; o que é resultado de um distanciamento permissivo, em que o animal é o que digo ser (ou disseram-me ser), não o que (quem) é, ratificando uma assimilação supremacista e situacionista da realidade.

Jornalista e especialista em jornalismo cultural, histórico e literário (MTB: 10612/PR)

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