Veganos segregando veganos, será que isso realmente ajuda?

Arte: Hartmut Kiewert

O veganismo está crescendo no mundo, e isso pode ser notado com facilidade. Claro, ainda não na proporção que muitos veganos gostariam, mas ainda assim hoje, mais do que dez anos atrás, é mais fácil encontrar pessoas que se recusam a consumir produtos de origem animal ou a contribuir conscienciosamente com a exploração animal.

Mais importante é não tirar o protagonismo dos animais

Porém, com o crescimento do veganismo, crescem também os conflitos, até porque ninguém é capaz de antagonizar mais o ser humano do que ele próprio. E até que ponto esses conflitos surgem de uma preocupação com os animais, não como uma manifestação de vaidade, de exercício de autoridade ou do equívoco em colocar os interesses dos animais abaixo dos interesses humanos em situações em que quem paga com a vida são os seres não humanos?

Uma pessoa quando se torna vegana traz uma prévia bagagem de considerações e predileções, de predisposições filosóficas, políticas, religiosas ou irreligiosas, etc; isso é natural, mas é correto defender que todos partilhem do seu posicionamento em relação a todas as outras questões?

Afinal, o que define o que você acredita como certo e a crença do outro como errada quando os dois buscam um mesmo fim, mas divergem de forma e método? Acredito que o mais importante é não tirar o protagonismo dos animais; e uma coisa que acredito que não ajuda muito nesse meio é a perspectiva maniqueísta.

Veganos bons e veganos maus?

Há pessoas dividindo veganos entre bons e maus e certos e errados. Como se os “bons” fossem sempre “bons” e os “errados” sempre “errados”, e isso leva a uma segregação e desconsideração de valores, trajetórias ou até mesmo de qualquer contribuição que o outro venha a acrescentar.

Bom, Peter Singer, com quem não concordo em muitos pontos, é utilitarista, e chegou a fazer infelizes declarações sobre zoofilia, mas isso muda o fato de que ele escreveu “Libertação Animal”, que se tornou a obra mais famosa e mais lida no que diz respeito à exploração animal?

Acho que não, e não tenho dúvida de que o livro levou muita gente para o vegetarianismo e veganismo. Tom Regan nunca demonizou Singer, embora no campo da filosofia moral estivessem em espectros antagônicos de muitas questões. Portanto, Regan apenas não validava sua posição utilitarista.

Demonização de alguns e enaltecimento de outros

Mas o que isso tem a ver com veganos? Tenho visto com mais frequência do que gostaria veganos demonizando alguns e enaltecendo outros, sem pestanejar. Há inclusive lamentáveis situações que chegam a um ponto próximo do que podemos qualificar como tentativa de desqualificação, descredibilização e talvez até assassinato de reputação. Como o veganismo é um posicionamento moral e ético, tais comportamentos são estranhos na minha opinião.

Há veganos que dedicam mais tempo em atacar outros veganos, “que julgam desmascarar”, do que em tentar conscientizar ou sensibilizar pessoas que não têm a mínima ideia do que seja o veganismo. Não consigo evitar de pensar que esses conflitos sobre “quem é mais vegano” soam um tanto quanto narcisistas.

Acredito que se uma pessoa se recusa a objetificar os animais e ainda mostra aos outros que não precisamos explorar os animais como fontes de alimentos, produtos ou quaisquer fins, e assim conquista resultados, ela já está beneficiando o veganismo. Acho muito simples.

Há quem prefira defender “seu veganismo” como exemplar

Mas há quem prefira defender o “seu veganismo” como o exemplar, como sendo aquele que todos deveriam adotar e seguir incondicionalmente, porque se posiciona como alguém que o “aperfeiçoou”, “o tornando muito melhor”. A mim, isso parece um tanto quanto arbitrário, já que o veganismo não tem hierarquia, é um movimento horizontal.

Os resultados dependem de quantas pessoas são motivadas a não tomarem parte na exploração animal, e não de quem é o mais vegano ou de quem é a referência mais importante – até porque o veganismo não é sobre nós, se fosse, seria apenas mais uma filosofia especista.

Os animais dependem somente da nossa decisão em não reduzi-los a bens de consumo e motivar os outros a fazerem o mesmo, da forma que for mais compatível com nossas potencialidades. Sendo assim, antes de julgar ou condenar o outro por um ponto de divergência, avalie bem quem ele é, o que fez e o que pode fazer pelos animais. Considerando que veganos ainda são minoria, segregar, ainda mais baseando-se em opinião, não em verdades ou certezas, pode prejudicar mais do que ajudar.

Jornalista e especialista em jornalismo cultural, histórico e literário (MTB: 10612/PR)

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