Vítima da expansão agropecuária, filhote de onça inicia reabilitação para retornar à Amazônia

Foto: Noelly Castro/Proteção Animal Mundial

Em agosto de 2022, quando tinha apenas dois meses, o filhote de onça-pintada Xamã foi encontrado sem sua mãe em uma área atingida pelas queimadas na região de Sinop (MT), em consequência da expansão agropecuária.

Ele estava desnutrido e desidratado quando foi resgatado e encaminhado para o Setor de Atendimento de Animais Silvestres do Hospital Veterinário (Hovet) da Universidade Federal do Mato Grosso. Hoje, Xamã passa por uma reabilitação para retornar à Amazônia.

Depois de cinco meses em recuperação e espera no Hovet, Xamã foi transferido e chegou na semana passada ao recinto de reabilitação no Pará, onde permanecerá em uma área de 15 mil metros quadrados por até dois anos, recebendo apoio no aprendizado dos comportamentos básicos da espécie, como caça e defesa, que não teve a oportunidade de receber da mãe.

Quando atingir a maturidade e estiver apto para a reintrodução na natureza, será liberado em uma área adequada e segura para voltar a viver uma vida selvagem. Ao completar esse processo, Xamã será o primeiro macho da espécie no país a ter sido resgatado e reintroduzido com sucesso na Amazônia.

“Xamã é mais uma vítima de uma marcha que está pulverizando as florestas brasileiras e, junto com elas, nossa vida silvestre diversa e seus habitats. Esse animal, símbolo da nossa fauna, foi separado da família depois de um incêndio florestal. Teve a vida transformada para que as pessoas em todo o mundo possam comer carne em quantidades crescentes e pelo menor preço possível”, diz David Maziteli, Gerente de Vida Silvestre da Proteção Animal Mundial.

“Empreender todos os esforços possíveis para tratar, reabilitar e devolver o Xamã ao seu ambiente de origem, onde ele poderá desempenhar na plenitude os seus comportamentos naturais, é tanto uma questão de responsabilidade coletiva quanto um ato de resistência contra o sistema alimentar e econômico insustentável que ameaça a existência de animais silvestres e humanos igualmente”, complementa Maziteli.

Todo esse projeto – do resgate à reintrodução de Xamã – está sendo empreendido por um conjunto de parceiros públicos e do terceiro setor. O processo de resgate, tratamento e guarda do animal até aqui esteve a cargo da equipe do Hovet/Setor de Atendimento de Animais Silvestres/UFMT, com acompanhamento da Secretaria de Estado de Meio Ambiente do Mato Grosso (Sema-MT).

Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (Ibama) e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), por meio do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Mamíferos Carnívoros (Cenap), atuaram na supervisão técnica e na gestão administrativa como autoridades públicas.

Já a Proteção Animal Mundial atua como um dos patrocinadores e consultores do projeto, tendo acompanhado localmente em Sinop a fase de recuperação do filhote em colaboração com o Instituto Ecótono (IEco).

Onçafari, entidade especialista em reintrodução de felinos no país, foi envolvido para viabilizar a reintrodução e assume a partir de agora, também aportando recursos, como parceiro até a soltura de Xamã e posterior monitoramento remoto na natureza.

“O que difere o Xamã do caso de outras onças-pintadas que nós recebemos e tratamos ao longo do tempo foi a concretização dessas parcerias, no momento e da maneira pela qual isso aconteceu”, conta a médica veterinária Elaine Dione Venêga da Conceição, professora da UFMT e responsável pelo Setor de Atendimento de Animais Silvestres do Hovet.

“Os parceiros realmente fizeram a diferença ao reconhecer a importância do animal, a condição dele e a possibilidade de sucesso para reabilitação e soltura. Para além do suporte financeiro, que é sim fundamental, a presença, o acompanhamento, a troca de ideias trouxeram segurança e amparo para a equipe. A grande lição de todo esse processo é que proteção animal e conservação ambiental não se faz de forma solitária: é algo que se faz de mãos dadas”, acrescenta a médica veterinária.

A experiência inédita de reintrodução de Xamã na Amazônia deve gerar conhecimentos científicos para a conservação de onças-pintadas em liberdade no bioma, e no país em geral, ajudando a enfrentar pressões de desmatamento e incêndios florestais impulsionados pela expansão agropecuária, o avanço desordenado da urbanização, além de atividades ilegais de mineração, caça e tráfico de vida silvestre.

Jornalista e especialista em jornalismo cultural, histórico e literário (MTB: 10612/PR)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *