A miséria do cordeiro que será comido na Páscoa

Observaram o cordeiro ser pesado, com olhos saltados, e imaginaram se ganharia peso o suficiente até o esperado domingo

Foto: Golli

Para a Páscoa, um casal comprou com antecedência um cordeiro vivo, um animal ainda bem pequeno. Observaram-no ser pesado, com olhos saltados, e imaginaram se ganharia peso o suficiente até o esperado domingo.

Não conseguiam ver o cordeiro no cordeiro, a não ser o cordeiro que desejavam matar, atribuindo-lhe sentido sacrificial, em referência à crença no sacrifício de Jesus em benefício da humanidade.

O cordeiro só poderia ser o cordeiro dentro dos limites da utilidade. A ideia de “sacrificar” então era de “homenagear” e ao mesmo tempo compartilhar e saborear a carne do cordeiro, abstraído da infância.

Sua função, que ele não poderia reconhecer como função, seria somente morrer, e morrer da forma desejada, sem surpresas, sem espetaculização, sem desagrado.

Vislumbravam uma ação controlada, tranquila, enquanto alimentavam o cordeiro para que logo não fosse cordeiro. Seus movimentos, seus interesses eram ações que, percebidas, não eram interpretadas como mais do que uma ideia de finalidade – a finalidade determinada.

O interesse humano subtraía do cordeiro o que era sobre o cordeiro, sobre sua idade análoga à expressão infantil – embora de um alguém que não entendia mas obedecia.

Obedecer então fazia crer que o cordeiro poderia ser um fim em outro ser, ignorando que o obedecer vem também do condicionamento do ser, do que é constante limite para o ser.

Uma semana antes do abate, olhavam para o cordeiro e o cordeiro olhava de volta – os olhos do animal que logo não deveria ter olhos.

Desejavam que engordasse somente um pouquinho mais, mas o cordeiro parou de comer – resistiu em comer. Também deixou de beber. O cordeiro morreu na véspera da Páscoa, e na Páscoa já não tinham um cordeiro para matar.

Desistiram de realizar o almoço de Páscoa e participaram da celebração com outros familiares, onde encontraram um cordeiro assado.

Observavam a ausência da cabeça, a pele tostada, a exposição das costelas e as chamas em direção às pernas – o corpo atravessado por um espeto. O cordeiro era um cordeiro.

Leia também “Cordeiros estão vivendo cada vez menos”.

 

Jornalista e especialista em jornalismo cultural, histórico e literário (MTB: 10612/PR)

3 respostas

  1. SEI QUE NÃO TENHO DIREITO, MAS ESTOU EXAURIDA DE VER NOSSOS IRMÃOS SOFRENDO ESTES HORRORES NAS MÃOS DO DITO SER HUMANO. UM DIA ALGO OU ALGUÉM IRÁ ITERVIR ? 😪

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