Alta demanda por carne estimula uso de antibióticos na pecuária

Animais que passam suas vidas aprisionados, como suínos e aves, por exemplo, começam a receber antibióticos muito cedo (Foto: Andrew Skowron)

Um dos contrassensos mais simbólicos e viscerais da criação de animais em confinamento para consumo (ou seja, a maioria) é o uso indiscriminado de antibióticos.

Sim, um animal que sofre de alguma enfermidade pode demandar antibiótico, mas e quando o uso não refere-se ao tratamento de uma enfermidade, mas sim a uma “prevenção” associada ao seu desenvolvimento como produto? O que tornou-se muito comum com o crescimento da pecuária industrial intensiva e a percepção de antibióticos como “via de inibição e estímulo”.

Animais que passam suas vidas aprisionados, como suínos e aves, por exemplo, começam a receber antibióticos muito cedo, até porque têm curtas vidas. Pense no frango abatido com 35 a 45 dias; na galinha poedeira que vive cerca de um ano e meio; no porco abatido com seis meses e até menos.

Viver amontoado é a realidade ordinária desses animais, e estar tão próximo de outros o tempo todo, sem dúvida, cria um cenário de maiores riscos, o que também significa amplo potencial para surgimento de doenças. Há países em que cerca de 80% do uso de antibióticos ocorre na pecuária – o que já foi alertado pela OMS. Isso não deveria gerar preocupação?

No Paraná, por exemplo, que é o segundo maior produtor de suínos do Brasil, foram encontradas em 2021 amostras de água e solo que apontam liberação de genes resistentes a antibióticos (GRAs) em rios próximos de grandes granjas de suínos – há um relatório sobre isso divulgado pela Proteção Animal Mundial. 

Como achar normal e compactuar com a criação de tantos animais submetidos a um elevado consumo de antibióticos para serem mortos e comidos? Para quem não se importa com a crueldade inerente, o aspecto saúde não merece consideração? O agronegócio brasileiro comemorou em março a confirmação de aumento recorde do abate de aves (6,18 bilhões) e suínos (52,97 milhões) em 2021.

Agora experimente associar esse crescimento com o aumento do uso de antibióticos, porque no sistema de produção de proteína animal, não há como fazer uma dissociação – já que mais carne sendo “produzida” também significa aumento da aplicação de antibióticos em animais.

Ou seja, quanto mais animais confinamos, mais antibióticos aplicamos. O maior contrassenso na minha opinião está no fato de que submetemos animais a situações degradantes que estimularão maior ingestão de antibióticos para diversos fins, alguns considerados essenciais e outros convenientes, para serem vendidos, abatidos e consumidos.

Com a acentuação do uso, ampliamos as possibilidades de resistência antimicrobiana e o surgimento de mais bactérias multirresistentes que compõem um cenário de inutilização dos efeitos dos antibióticos – sejam consumidos por animais não humanos e/ou humanos.

O quanto isso parece coerente e auspicioso? É vantajoso contribuir com a manutenção de um sistema que torna medicamentos ineficazes por seu uso que é consequência do próprio modelo de produção de proteína animal?

O que podemos esperar para o futuro com uma projeção de que o consumo de carne crescerá pelo menos 12% até 2030? O que as pessoas farão se importantes antibióticos deixarem de ter efeito por causa do seu uso excessivo na pecuária, que só existe pela equivocada supervalorização da proteína animal?

Saiba Mais

Não foi por acaso que a Organização Mundial de Saúde (OMS) criou uma Semana Mundial de Conservação Antimicrobiana que começa no dia 18 de novembro e termina no dia 24. A data tem relação com o impacto da pecuária no sistema alimentar e na saúde humana.

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Jornalista e especialista em jornalismo cultural, histórico e literário (MTB: 10612/PR)

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