Comer animais é um grande mal

Foto: David Taffet

Antes da era comum, entre os gregos, havia aqueles que apontavam de maneira crítica que alguns animais foram selecionados para criação e consumo por terem “natureza mais pacífica” em relação a outras espécies, tornando-os vítimas ideais de um hábito violento.

O interesse e a seleção eram baseados em critérios como maior potencial de condicionamento, subjugação e morte num ambiente controlado. A docilidade era admirada e desejada em um animal criado para a mesa. Antes deles, não europeus, como os egípcios, fizeram esse apontamento crítico sobre a domesticação que levaria ao atual extremo do doméstico.

Povos que não alimentavam-se de animais antes e também com a chegada da era comum já foram chamados de “bárbaros” por não reconhecerem os padrões civilizatórios que surgiam e refaziam-se – nem ansiavam por imitá-los.

Pitágoras, Plutarco, Plotino, Empédocles, Apolônio de Tiana e Teofrasto criticaram, de forma convergente, divergente e diversa, o hábito de consumir animais, que nunca foi tão elevado quanto em nosso tempo.

“Dicearco, autor de uma Vida da Grécia, propõe considerações análogas sobre os homens do norte e sobre o sacrifício sangrento. Isso enquanto Teofrasto, que, por seu lado, sucede Aristóteles à frente do Liceu, faz o elogio da mesma atitude, mas, dessa feita, ao sul, entre os egípcios: ‘O povo mais sábio do mundo, que habita a terra mais sagrada, também se abstém de todo ser vivo [em referência aos animais]'”, destaca François Hartog no  capítulo 3 de “Memória de Ulisses: narrativas sobre a Fronteira na Grécia antiga”.

No mundo romano, Ovídio e Séneca também. Um diálogo de Sócrates e Glauco, registrado na “República”, de Platão, associa a produção e consumo de carne à ganância, gula, violência e perda de saúde.

Poucos também não foram aqueles que relacionaram o derramamento de sangue dos animais não humanos ao surgimento de guerras ou sua intensificação, porque a continuidade e elevação do sangue vertido reduziria as inibições violentas do homem.

A preocupação com a “institucionalização da crueldade” em nossos hábitos de consumo e sua perpetuação não é recente, é parte da história antiga da humanidade.

Quando isso começou é uma incógnita, porque a consciência grega, por exemplo, e que também não nos permite pensar em todos os gregos da época (mesmo nos tempos do ideal de ‘grecidade’), foi influenciada por uma questão de alteridade em relação a outros povos, e nem todos saberemos quem foram ou são.

Robert Louis Stevenson em “Nos Mares do Sul” e Herman Melville em “Moby-Dick” evocam uma discussão antiga sobre quem é o bárbaro quando avaliamos nossos costumes e hábitos. “Há povos mais civilizados distantes da civilização”, é uma conclusão compartilhada.

Se um dia matar um boi foi reconhecido como assassinato, maior é a distância em relação a isso num mundo mais civilizado, que é responsável por um massacre diário de animais.

O norueguês Knut Hamsun tinha desprezo pelo caráter mecânico e célere da industrialização e via nisso uma instituição de desvarios e cegueiras na contramão do que o sistema prometia, comprimindo as experiências humanas.

Não que devemos demonizar a industrialização, mas como ignorar que facilitou o distanciamento entre humanos e outros animais, permitindo que esses outros animais já não fossem mais vistos como animais? Não seria uma cegueira da conveniência?

Upton Sinclair explorou isso de forma inédita e pioneira quando expôs as piores facetas da exploração humana (de imigrantes) e não humana com a intensificação da industrialização da produção de carne dos EUA do início do século 20. Há questões importantes não apenas sob a perspectiva de direitos, mas também de diluição do ser e de conflitos de identidade.

Não muito tempo depois, a eficiência dos matadouros industriais estimulou Henry Ford a usar esse sistema como referência para suas linhas de montagens, conforme ele admitiu em sua autobiografia. A experiência de Ford nos matadouros também inspirou Hitler a implementá-lo e adaptá-lo para “industrializar a eliminação de judeus”, como denunciou Charles Petterson.

Infelizmente, hoje, o apetite da humanidade por carne e outros produtos de origem animal é mais elevado do que nunca, e pode dobrar até 2050, portanto, são os consumidores que permitem a manutenção e crescimento desse sistema que consiste na massiva industrialização da morte.

A população cresce, o desejo por esses produtos também, e o sistema corresponde a esse anseio, além de intensificá-lo e recriá-lo quando conveniente, a partir de novos e velhos produtos.

O consumidor convencional, e aqui penso na maioria, é alguém que alimenta-se animais sem reconhecê-los como animais. Afinal, o que é um animal para quem alimenta-se dele? O que pode ser dito dissociado de fonte de produto? E sobre sua individualidade? Capacidades? Anseios?

Como dizer que conheço e reconheço um animal, se a percepção que guardo para mim desse animal é somente aquela que é conveniente ao meu interesse? Um animal é isso? Um meio de interesse?

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Jornalista e especialista em jornalismo cultural, histórico e literário (MTB: 10612/PR)

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